Quando Fabrício entrou, já Marta sentada à mesa da cozinha terminava o pequeno-almoço. Fabrício viu-a e ficou contente ao pensar que teria a sua companhia. Cumprimentou-a, fazendo um esforço para que não parecesse seco nem ansioso, a primeira preocupação foi tentar não demonstrar sentimentos que a levassem a sair dali.
Marta olhou-o, e pareceu-lhe que tinha dormido mal, estava com um ar cansado, lembrou-se que também ela deveria estar assim, ficara na sala depois de ele se recolher até altas horas, não tinha sono e apeteceu-lhe ouvir aquele CD que tinha comprado na semana anterior, numa das suas saídas sem destino e com o único propósito de não ficar em casa ao pé dele, era o último disco do seu cantor romântico preferido, o Dear Heather do Cohen, e aos primeiros acordes de Go no more, pensou, no quanto a sua vida se tinha transformado, o que antes lhe parecia uma vida normal e estável, estava agora a revelar-se exactamente o contrário, começava a acreditar que gostava dele, ainda que tudo fizesse para combater os sentimentos que teimavam em assaltá-la, a voz de Cohen enchia o espaço à sua volta e ao som de Because of finalmente as lágrimas soltaram-se.
Cohen, já há muito se tinha calado quando ela percebeu o silêncio que reinava, tinha mergulhado em mil pensamentos e nem dera por isso, lembrava-se da curiosidade que sentiu em saber o que ele estaria a fazer sozinho no quarto, e como tentara espreitá-lo em vão, visto ele ter fechado a porta, ainda sentiu a tentação de bater, mas conteve-se.
Absorvida por estes pensamentos ouviu a sua voz: - Marta! Marta, que se passa? Estás bem? - Estou sim, respondeu. Desculpa, estava imersa em pensamentos parvos. – Alguma coisa em que possa ajudar, perguntou Fabrício. – Não meu querido, não podes. Deu-se conta nesse instante de como o havia tratado, mas agora nada havia a fazer, estava dito.
Fabrício tinha recebido aquele meu querido directo no coração, ela nunca tinha usado aquela palavra com ele, se bem que a usasse com alguns amigos mais chegados, mas com ele tinha imenso cuidado de não proferir qualquer tipo de intimidade ou carinho. Atrapalhado, começou a tratar do café virando-lhe as costas, e os pensamentos da noite anterior começavam agora a martelar-lhe o cérebro. Recordava-se porque se tinha retirado mais cedo dando a desculpa, do Lobo Antunes lhe dar sono, uma mentira inocente que se ela o conhecesse teria logo detectado, ele adorava Lobo Antunes, jamais se imaginaria a adormecer lendo-o, e isso provava que ela nem sabia minimamente do que ele gostava. Quando chegou ao quarto não se conteve, chorou como uma criança infeliz, tal a desilusão que sentia com o rumo da sua vida, lembrava-se de lhe parecer ouvi-la junto à sua porta, mas imaginou-se a enlouquecer, o quarto dela ficava na ala oposta do seu, só poderia estar com alucinações.
O zumbido da chaleira da água para o café, trouxe-o de novo à realidade e com um olhar de soslaio verificou se ela ainda lá estava. Estava. Não se tinha mexido e sentiu-se contente por isso, talvez ela ficasse enquanto tomava o pequeno-almoço.
Enquanto se sentava, ela perguntou-lhe: - Desde quando é que o Lobo Antunes te dá sono? Ele não esperava aquela pergunta e nem tinha jeito para mentiras, decidiu no momento dizer a verdade: - Foi uma desculpa para me retirar, estava a custar-me estar ali contigo e não invadir o teu espaço, o Lobo Antunes é que pagou, mas não sabia que tinhas conhecimento do meu gosto por ele? – Mas tenho Fabrício, assim como de outros gostos teus, não devias ter-te retirado, ontem apetecia-me companhia.
Fabrício atónito, recebeu aquelas palavras como terra para um náufrago, sentiu uma leve esperança invadir-lhe o coração, mas logo recordou as palavras e ela não tinha dito que lhe apetecia a companhia dele, mas sim companhia, isso era plural, só lhe apetecia companhia e não devia estar com disposição de sair, ou então, nenhuma das amigas estava livre para a acompanhar.
- Fabrício! Ouviste o que eu disse? – Desculpa Marta, disseste que ontem te apetecia companhia, eu ouvi. – Mas era a tua, não era a de mais ninguém. – A minha? – Sim a tua, ontem apetecia-me a tua companhia.
Ela tinha sido clara, era à companhia dele que se referia, não de qualquer outra pessoa, agora o seu coração tinha disparado, e a custo disse: Ontem, quando estava no quarto ouvi música, estavas a ouvir o quê? – O novo CD do Cohen o Dear Heather que comprei a semana passada, respondeu. – Ah, esse romântico inveterado, não sabia que gostavas, é um disco que já saiu à algum tempo, talvez no início do ano, não é novo. – Sim, mas é o último e eu ainda não o tinha, como não me fizeste companhia, tive de recorrer a ele.
Fabrício pensava se as palavras que ouvia da boca da Marta seriam reais, não notava nenhum tom de brincadeira, seria esta uma estratégia para em seguida o meter no seu lugar? Não podia ser! Ela não o amava, isso era um facto, mas tinha sido sempre de uma educação extrema, estaria a falar verdade? Encheu o peito de ar e perguntou-lhe: Tens a certeza que era mesmo a minha companhia que ontem querias? – Era! – Desculpa a pergunta Marta, mas porquê? Ela ficou em silêncio enquanto o fitava nos olhos e ele ficou a olhar para ela à espera de uma resposta que não vinha, tinha uns olhos lindos, que muito raramente tinha oportunidade de ver tão perto e tão demoradamente, os seus olhares costumavam ser fugidios, mas agora, ela continuava a olhá-lo fixamente, sem demonstrar intenção de os desviar e ele pensou no quanto a amava, como lhe apetecia beijá-la. De repente, Marta mostrou intenção de se levantar, e ele pensou que devia ter desviado o olhar, ela devia ter pensado que ele a provocava e ia-se embora. Balbuciou uma desculpa, quando Marta se encaminhou na sua direcção que era a da porta da cozinha, ela, levou um dedo à boca em sinal de silêncio, chegada ao pé dele, parou, e perguntou-lhe olhos nos olhos e com a cara quase colada à sua: Ainda me amas Fabrício? Ele sentindo-se desfalecer murmurou: - Mais do que tudo na vida.
Marta, colocou as mão suavemente na sua cara, e ele sentiu o seu perfume inundá-lo quando ela o beijou.