Agostinho da Silva, era um homem inesperado e a sua lógica era outra, como diz António Alçada Baptista, quando relembra os amigos (1) e começa assim a falar dele:
Não posso deixar de lembrar Agostinho da Silva, porque ele foi um homem-referência na minha geração. A minha amizade vinha da admiração que me merecia um homem diferente, um homem como ainda não há.
Ele fez e ensinou tudo exactamente ao contrário daquilo que queria que a gente fizesse: num mundo que nos incitava a acumular riqueza, ele viveu no maior despojamento; num mundo que nos entusiasmava com o trabalho e as realizações, ele aconselhava a ociosidade; num tempo de internacionalização das nações, ele defendia e acarinhava os valores da Pátria e tudo aquilo que podia significar uma identidade nacional. E fazia isso sem espírito de cruzada: tudo parecia emanar naturalmente da constituição do ser humano para assim se reintegrar na ordem inscrita no universo primordial.
[…] Agostinho da Silva ajudou a fundar Universidades, fez respeitar Portugal e falou sobre o sonho do mundo da Língua Portuguesa e do que ele podia significar numa época onde afloram tantos indícios de deixarmos uma civilização do poder para uma civilização de diálogo e de cultura. Por todos os lados onde passou deixou uma espécie de rasto de luz e de lenda, como quem, ao mesmo tempo, acredita e desconfia sobre se aquilo que dizia estava certo.
[…] Estas pessoas são raras mas são necessárias porque nós precisamos de ir vendo como serão os homens do futuro. Essas pessoas ensinam-nos que é possível existir de outra maneira e ter com o mundo e com os outros uma relação diferente. Termos sido contemporâneos de Agostinho da Silva é um motivo de esperança: ficamos com a prova de que estes homens são possíveis, que são feitos da mesma matéria que nós e que, possivelmente, só nos falta acrescentar um pequeno suplemento de alma para lhe imitarmos a vida.
(1) - Pesca à linha Algumas memórias da Editorial Presença, p. 205-206.