E cá estamos de novo fazendo uma pausa neste retiro sabático com um tema fracturante; o binómio Sim/Não, que neste momento divide a sociedade portuguesa.
A manipulação linguística, as figuras de estilo de acentuado cariz paternalista, os desabafos taciturnos de má relação com a morte que as sociedades cultivam devido à limitada concepção que fazem da vida terrena (aqui, a minha incompreensão quanto à posição de alguns sacerdotes da igreja católica), a irrazoabilidade da propaganda de carácter claramente acintoso, procuram encontrar argumentos para rebater o óbvio: Existe aborto clandestino. E existe porque o ordenamento jurídico-penal a isso obriga e, a coisa, é tão simples e directa como isto não tendo forma ou engenho de se contornar.
Compreendendo isso, os movimentos do Não traçaram nos últimos dias um novo azimute porque o douto professor Marcelo Rebelo de Sousa se lembrou de fazer uso da medula e dizer umas quantas parvoíces, porque estapafúrdias que, bem mereceram ser ridicularizadas pelo RAP num brilhante sketch dos Gatos Fedorentos.
A partir desse inexplicável momento do prof sabe-tudo-tudo-tudo, começou a formar-se uma sub corrente no Não (com Paulo Portas, Marques Mendes e Ribeiro e Castro na linha da frente) que defende a manutenção da lei com o seu incumprimento através de um artificio jurídico (!?) ora, isto não faz obviamente sentido nenhum, porque se o direito à vida deve ser protegido mas quem o viola não pode ser punido, é no mínimo um direito que deixa de existir e, portanto, um contra-senso inconstitucional e ilegal obrigando o Primeiro-ministro a deixar a demagogia que lhe é tão cara, para dizer algo acertadíssimo contra este Nim: “se o Não ganhar, o aborto não será despenalizado”.
Já agora:
Diz o Pedro Mexia, pessoa por quem tenho apreço intelectual mesmo estando no lado errado, tentando centrar o problema no campo da ética o seguinte: "o aborto é sempre um mal, que no entanto admitimos em certas condições para evitar um mal que consideramos maior".
Pois... é isso mesmo que nós dizemos com uma diferença, é que o problema não é ético, centrando-se sim, no campo do direito e da política e essa é a posição de quem vota Sim, logo, se o Pedro Mexia recentrar a questão como deve, terá de votar Sim, já que, as razões éticas não devem permitir excepções (acho que o Aristóteles explica esta coisa), mas supondo que mesmo assim a dúvida o apoquente dir-lhe-ei que, e segundo o “Electroencephalography: Basic Principles, Clinical Applications, and Related Fields”, a actividade cerebral só se manifesta a partir dos 120 dias e aquilo que o córtex emite às 10 semanas é actividade eléctrica, a mesma que qualquer planta emite, coisa que de forma alguma representa consciência como entenderá.
Mas vamos ao que interessa.
Os defensores do Não, fazendo uso dos pressupostos da propriedade jurídica, defendem que o zigoto (ovo) e a blástula (um embrião com 64 células) são seres humanos de pleno direito. Para estes, interessa tão-somente, preserva-lo e defende-lo.
Não interessa se é ou não biologicamente dependente da progenitora e indissociável desta, se é desejado como um projecto de investimento afectivo e, não interessando também, que a mulher possa decidir ser ou não, hospedeira de uma interacção celular, visto a reprodução de organismos vivos ser implacável e biológica ao contrário do acto “fortuito” que o provoca.
O que interessa ao Não é que este não pode ser removido, queira a mãe muito, pouco, ou assim-assim. O que interessa ao Não é que esta seja obrigada pela força da lei, a amar desde logo o zigoto, a bem ou a mal e a usar de beneplácito.
Ora, sendo assim, e estou convencido que é, é-me licito questionar a legitimidade de tal pretensão e interrogar se, a interrupção de uma gravidez não desejada profundamente não poderá ser um acto legitimo, e, prossegui-la, num apego desmedido à vida, um erro egoísta e grosseiro.
O Sim, defende a despenalização do aborto até às dez semanas por opção da mulher desde que, praticado em estabelecimento de saúde autorizado como em meu entender poderia bem ser às doze, mas foi este o tempo que, devido ao condicionalismo fisiológico da concepção o parlamento decidiu aprovar como o suficiente para reflexão dos possíveis futuros progenitores, e, é esta a alteração que se pretende das normas jurídicas em vigor, logo, o sofisma que o Não ergue bem alto, sobre a contradição da penalização daí em diante é uma grande e enormíssima parvoíce que não merece o meu tempo.
E para terminar:
Já diziam os defensores do Não há oito anos que esta lei era aceitável para resolver o problema do aborto clandestino, ora, segundo dados da Associação para o Planeamento da Família, só em 2006 foram feitos 18.000 o que, demonstra bem a sua eficácia, e mais; a mesma Associação revela que, 27% das mulheres que o praticaram, foram internadas para tratar complicações.