Sentia-se profundamente satisfeita, olhava-se dentro de si e via-se calma, isso era de tal forma reconfortante que só lhe apetecia ficar ali deitada, naquela lassidão dormente com o pensamento a deambular pelo que ocorrera há pouco. Olhou o relógio e verificou que tinha passado uma boa meia hora desde que ele a deixara, sorriu e tentou memorizar cada momento com receio de os perder. Coisa inaudita, procurava nos esconsos da mente cada segundo, cada êxtase, cada vez que se viera. Quantas teriam sido?… Só sabia que fora um verdadeiro apocalipse. Tinha fodido com muitos gajos e gajas, mas como aquele não, aquele era único, proporcionara-lhe momentos que nunca pensou serem possíveis de atingir. Sob aquele aspecto gótico, escondia-se um luxuriante rei do sexo, um mestre que o servia com entendimento.
Com passos lentos caminhou na direcção das vozes bem dispostas e enquanto se aproximava, embora procurasse mostrar-se desinteressada marcando posição de que o ali não era tudo na vida, o pensamento não despregava da visão daquele macho exemplar.
Entrou e verificou que os três já lá estavam, tinham o charme do ócio e conversavam sobre um filme qualquer até darem pela sua presença. Calaram-se então e olharam-na inquiridores e expectantes…
Mostrou-lhes um sorriso denunciador que os fez cumprimentarem-se e motivou a abertura de nova garrafa de champanhe, enquanto Helen, atenta ao que se passava, subia o volume da música. Nunca até hoje, Van Der Graaf Generator, lhe parecera merecedor de atenção.
O marido aproximou-se com um sorriso rasgado e confidenciou-lhe: –Cheguei a pensar que não te querias juntar a nós, começava a ficar preocupado. Sorriu-lhe com brandura e deixou-se conduzir até ao sofá central onde Juvenal a esperava com uma taça de liquido borbulhante.
Chegaram a casa já noite cerrada e pela primeira vez dirigiu-se ao marido: –Então, que achaste da Helen? –Fabulosa! Respondeu-lhe João antes de poder atinar com um tom para voz, acrescentando: –Uma mulher extremamente fogosa, algo tímida no início, mas quando se libertou foi uma experiência fantástica, sem dúvida a melhor parceira desde que nos iniciámos, e saber que esta era a primeira vez deles deixa antever encontros inigualáveis no futuro, talvez os convençamos noutra ocasião a fazermos uma sessão a quatro. E tu, que dizes do Juvenal? –O mesmo que tu da Helen, começou aparentemente com alguns cuidados, mas com o meu incentivo rapidamente se descontraiu fazendo-me ir às nuvens várias vezes, o gajo é excepcionalmente dotado. –Mais do que eu? Perguntou João. –Não me referia a isso, embora o seja uns bons cinco centímetros, respondeu como se falasse do que calhasse, afável mas sem reservas, e continuou, mas não é isso, é a forma como os usa e usa todo o seu corpo, é a forma como ele gosta de mulheres… não esteve ali só a meter-mo, longe disso, ele deu-me o melhor sexo que alguma vez tive.
Ao ver que João tinha parado, com algum resíduo de surpresa pensou que talvez tivesse falado demais, mas a relação deles sempre tinha sido muita aberta e, como bons swingers, sempre falavam do desempenho dos seus parceiros abertamente, sentindo-se privilegiados por terem conseguido ultrapassar todas as barreiras e todos os tabus desta sociedade acanhada e hipócrita, além de que, desde que começaram a swingar, a relação entre eles tinha melhorado imenso e por isso perguntou-lhe: –Que se passa, parece-me que ficaste contrariado com o elogio que fiz ao Juvenal?… – Não, não foi o elogio em si, foi a forma, o jeito e o brilho nos olhos com que o fizeste, nunca te tinha visto elogiar assim nenhum swinger, nem ninguém, dá ideia que desta vez te envolveste de forma diferente.
– E então?… devias ficar satisfeito por finalmente ter encontrado um parceiro que me satisfaz plenamente, coisa que já aconteceu contigo e pelo que me disseste, a Helen, também não se saiu nada mal, pois, dizes que foi a melhor até agora, assim, só pode ter sido excepcional.
João compreendeu as razões de Marta, mas havia qualquer coisa na forma como tinha elogiado o Juvenal, que ultrapassava os limites do usual, via que ela estava diferente por comparação a todas as outras vezes em que depois de se despedirem se distanciavam mentalmente dos parceiros até novo encontro, desta vez não e isso era evidente, evidente até demais, já que, Marta, não parecia desejá-lo junto a si, parecia satisfeita, e ao contrário do que era costume hoje parecia não precisar das suas carícias e de saber que ele ainda a amava, por isso ficou a remoer por alguns instantes em tudo o que se tinha passado. Lembrava-se que quando aceitou a taça de champanhe das mãos do Juvenal, esta lhe ter acariciado a mão e os olhares se terem fixado demoradamente a ponto de Marta enrubescer, ele tinha levado isso em conta de alguma timidez que ela por vezes ainda revelava, mas via agora que não, não era timidez, havia ali algo mais.
Marta não dava conta dos pensamentos do João revelados no silêncio preocupado, os seus pensamentos navegavam já em outras águas. A recordação dos momentos com Juvenal era muito intensa, de tal forma que parecia senti-lo ainda dentro dela… as suas enormes mãos a apalpar-lhe as mamas enquanto uma língua bem treinada a penetrava com carícias suaves intercaladas de explorações mais viris. Gostou especialmente quando ele a comeu por trás sem nunca ter deixado de a massajar.
Estes pensamentos foram suficientes para se sentir de novo molhada, o que a fez sair daquele estado com um pequeno grito sobressaltado ao verificar que o João estava plantado à sua frente a olhá-la e os seus olhos eram reveladores do que sentia, tinha percebido o seu abandono aos pensamentos e tinha constatado o desejo a dominá-la.
Quando falou, espumando raivas de certezas abaladas, atirou com os infinitos de forma bem audível: –Acabou! Não o vês mais!
Marta sentiu um choque dentro de si e o sangue a percorrer-lhe todo o corpo, a sua cara estava agora afogueada. Olhou em desnorteio para o João e chispando centelhas de ódio e raiva, gritou-lhe: –Não te atrevas, meu cabrão de merda! João levantou a mão com intenção de lhe dar um estalo que não chegou a surgir, alguém lhe agarrara o braço com uma força tremenda travando-lhe ali a eloquência do gesto. Espantado, olhou-o, enquanto tentava libertar-se… que faria ali o Juvenal armado em puritano castigador dos seus desbragamentos?…
Este tinha um sorriso trocista quando falou: –Sabes João, não te canses porque nunca irás perceber o vaivém do palco dos nossos actos, o essencial escapou-te. Naquele momento fitaram-se como se algo decisivo estivesse suspenso. Segundos depois ele disse: –Lembras-te do acordo que assinámos no nosso encontro de conhecimento? João lembrava-se, mas não via que interesse poderia ter aquele documento no caso, aquilo era coisa de parcos méritos, não passava, ao que lhe pareceu, de desenhos confusos e só o assinou por eles terem sido irredutíveis. Aliás, ele assinaria qualquer coisa para comer uma mulher com a Helen.
Juvenal, olhava-o agora de cima dos seus dois metros de altura que lhe pareciam o dobro devido à posição que a torção de braço o obrigara a tomar e movimentara todos os seus alertas. Começou a ter receio daquele homem antes afável e de extrema simpatia.
Com um sorriso algo irónico, Juvenal, falou com uma voz sibilosa que o arrepiou: –Somos fragmentos do Uno Mal’ak, enviados do espaço-tempo pela Mãe Impronunciável com a missão de desviar braços dos Anjos da Esfera Eterna para a Celestial ordem Luciferária, e Ela, construiu com o seu desejo iniciático uma ponte entre o espaço-tempo.
João não sabia o que pensar, aquilo tinha algo de satânico e diabólico, os seus olhos seguiam agora Marta que se aproximava de Helen e que só agora percebera no fundo da sala. Sentiu que não dominava a situação porque não a percebia e porque era obrigado por aquele braço de ferro a ajoelhar de tal forma que a sua face esquerda estava espalmada no chão.
Por fim, Juvenal, disse: –Tu ficas, sabemos das tuas qualidades como preparador de almas neste decaído mundo, terás o usufruto da tua estulta impostura, mas serás a Minha Palavra!