Caminhava com o ritmo marcado, não se lembrava de onde vinha nem lhe eram claras as cores essenciais, mas isso não parecia incomodá-lo por mais irónica que lhe parecesse a distanciação com que encarava o facto.
Era um homem de baixa estatura, de aparência um pouco míope e uma pequena calvície na fronte, vestia fato completo azul-escuro, camisa branca e uma gravata azul ciano. Os sapatos reluziam avassaladores do polimento e, estranhamente, sem uma dor digna de nota, não conseguia deixar de arrastar o pé direito sempre que dava um passo. Essa era a única preocupação denunciada pelas rugas ligeiras em ambas as faces e pelo facto de há muito não se sentir tão bem; aquelas malditas articulações que o apoquentavam há anos hoje não davam sinal, só aquele arrastar do pé que teimava em marcar o ritmo e a dormência do braço do mesmo lado lhe desviavam o pensamento do objectivo da caminhada.
Quando vislumbrou o sopé do monte que se tinha descoberto aos poucos, sorriu pensando que o objectivo estava próximo, ali mesmo à sua frente. Sentia-se bem para encarar a subida até à oliveira que teimosamente decidira medrar naquele cume inóspito longe do ondular secreto das planícies.
Finalmente chegou, há muito que ali não ia mas verificou com satisfação que tudo estava na mesma; a oliveira e o mato rasteiro dobrados pela voz do vento agreste de norte, teimavam em ali permanecer.
Olhava à sua volta quando viu o Carriço assomar por detrás da raquítica oliveira e caminhar na sua direcção de rabo a abanar em sinal de contentamento. Logrou ter visto gotas de água nos seus olhos imediatamente antes de este lhe saltar para os braços quase o fazendo cair.
Quando conseguiu que parasse de lhe lamber a cara e o acalmou, reparou que a trela de corrente estava pendurada na oliveira. O Carriço percebendo de imediato a intenção, de rabo a abanar colocou-se em posição para que o dono o prendesse.
Finalmente, quando estavam prontos para a partida, sem qualquer lamento entendeu o motivo da caminhada: algo lhe dissera que o Carriço o esperava naquele local onde no ano passado o havia enterrado. Não quisera partir sem o dono, esperara por ele, pelo seu tempo, e naquela tarde de Outono, um raio de sol estival que pareceu absorver a liquidez das rochas uniu-os como frutos da mesma árvore.