O passado de Kay Rala Xanana Gusmão não o torna impoluto e não me pode impedir de o criticar pelo presente, e, por isso faço-o, convicto de que mal aconselhado está a levar Timor-Leste para o abismo.
"Falhámos em garantir a vossa estabilidade, mas com a vossa esperteza ganhámos esta guerra", afirmou Xanana Gusmão, perante o entusiasmo dos manifestantes, que exigem a demissão do primeiro-ministro, Mari Alkatiri.
Fonte - LUSA.
Foi assim de forma burlesca que Xanana se dirigiu aos manifestantes, aliás, todo o discurso começando pelas pessoas presentes no improvisado palco, foi burlesco e provinciano, mas o pior é que foi divisionista e de desrespeito pela constituição e poderes instituídos, sendo a manifestação em si, uma provocação à FRETILIN, para que esta tenha de alguma forma, uma reacção que proporcione a Xanana os motivos para a constituição de um Governo de iniciativa presidencial, tão do agrado dos australianos que já estão a construir uma base para aquartelar 3000 homens nos próximos dois anos, sem que o Governo Timorense o tenha autorizado.
De que forma podemos entender, que os desertores tenham passado a uma Frente Nacional para a Justiça e Paz (FNJP), encerrando simbolicamente o Parlamento Nacional e tomando conta da cidade com o argumento; “Se o Parlamento representa o povo, então o povo decide fechá-lo” com o sorriso e as palmadinhas cúmplices de Xanana?
Felizmente, a FRETILIN mostra ter quadros bem preparados e, para já, não embarcaram nesta estratégia. Continuam por agora, com a sua passividade a ser o garante, agora o único, da democracia, da constituição e dos poderes instituídos.
Depois disto e tendo em consideração o passado de Xanana, temos de considerar que ele foi longe demais e mesmo a desbocada Ana Gomes, sua amiga pessoal, tenta, tenta, mas tem evidentes dificuldades em defendê-lo.
Mas para uma melhor compreensão do actual estado de coisas em Timor-Leste, transcrevo aqui, uma excelente entrevista de Nicole Guardiola a Ana Pessoa, Ministra de Estado e da Administração Pública de Timor que o Expresso pública.
Acrescento, que esta mulher poderá vir a ser a nova chefe de Governo de Timor-Leste, isto se, o problema de Xanana for mesmo Alkatiri e não a FRETILIN, e, se assim for, o Governo de Timor-Leste ficará muito bem entregue.
Mas isso é o optimismo a falar por mim, porque o que penso, é que a FNJP (leia-se: Testas-de-Ferro dos interesses de Camberra) e Xanana, tudo farão para demitir o Governo e constituir um outro de iniciativa presidencial, com intenção de preparar terreno propicio a eleições antecipadas, não fosse assim e Xanana teria pedido à população para regressar às suas casas, mas não, convém que o estado de sítio que se vive em Díli permaneça, porque lhe convém.
«Há uma estratégia por detrás de tudo isto»
Ana Pessoa, ministra de Estado e da Administração Pública de Timor-Leste e membro do Comité Central da FRELIMO, é uma mulher de convicções fortes e sem papas na língua. Jurista de formação, acha «inacreditável» que o Presidente Xanana Gusmão tenha exigido a demissão do primeiro-ministro Mari Alkatiri numa carta apensa a gravação de uma reportagem de televisão australiana, mas acha que a crise institucional ainda pode resolver-se pela negociação e no respeito da legalidade e das normas constitucionais.
Convicta, como Alkatiri e Lu-Olo (presidente do Parlamento) de que há forças empenhadas em fazer de Timor-Leste «um Estado falhado», que deve ser posto sob tutela pelo menos até às eleições de 2007, veio a Lisboa pedir o apoio da CPLP.
A ONU é acusada de não ter evitado a politização e instrumentalização das Forças Armadas e de Segurança timorense, que estaria na origem da crise institucional actual...
O principal aspecto positivo das intervenções da ONU é a multilateralidade, que acarreta também consequências negativas, mas não se pode, de maneira nenhuma culpar a ONU de tudo o que acontece agora. Para a constituição das forças policiais, a UNTAET teve assessores de 40 nacionalidades diferentes e isto cria necessariamente confusão. Não há um modelo, uma doutrina, uma estratégia clara, o que é grave para a formação de um exército e de polícias num país como Timor-Leste, sem tradições institucionais e com referências negativas, herdadas da ocupação militar estrangeira.
Os critérios de avaliação para o recrutamento de funcionários, polícia, militares, não foram logo um factor de tensão? Há pessoas que foram excluídas porque não falavam português...
É absolutamente falso, aconteceu mesmo o contrário. Quando eu era ministra da Administração Interna do governo de transição, a UNTAET lamentava-se de não encontrar timorenses qualificados para ocupar lugares na administração pública e fui assistir às entrevistas de selecção. Verifiquei que eram feitas em inglês ou em bahasa indonésio. Explicaram-me que o inglês era a língua de trabalho da ONU. Respondi: 'então contratem intérpretes. Não estão a recrutar funcionários para a ONU mas sim para o Estado timorense, cujas línguas oficiais são o tétum e o português. Saber inglês pode ser uma habilitação suplementar, nunca um critério de selecção. A maioria dos timorenses não fala inglês e muitos não dominam português, porque durante a ocupação indonésia falar português era ser conotado com a guerrilha, dava direito a ser preso, torturado, morto. Até hoje, só se exige o tétum e só recentemente começou a exigir-se provas de português. No meu ministério, só aceito documentos em tétum ou em português. Se vierem em inglês ou em bahasa, voltam para trás.
O facto de haver oficiais da polícia oriundos da polícia indonésia não criou problemas?
O recrutamento da Policia Nacional de Timor-Leste (PNTL) foi inteiramente feito pela UNTAET. Incorporaram mais de 100 agentes e oficiais indonésios, alguns dos quais tinham uma folha de serviços muito má, referenciados como torcionários. Foi o que provocou a primeira divisão entre os chamados «nacionalistas» e o grupo dos «autonomistas», ex-agentes da polícia indonésia que foram incorporados na PNTL em nome da reconciliação nacional. Costumava dizer que a policia foi estruturada para se desestruturar na altura da primeira crise. Foi o que aconteceu.
A criação de forças especiais também criou mal-estar e aparece agora relacionada com grupos paramilitares de autodefesa.
Em Janeiro de 2003, milicianos infiltrados através da fronteira com Timor Ocidental atacaram aldeias, mataram populações indefesas, na região de Atsabe. A nossa polícia, que só tinha uns 15 homens na zona armados com pistolas, não foi capaz de reagir. Fizemos intervir os militares das Forças de Defesa e Segurança (FDSTL) e fomos acusados de violações dos direitos humanos.
Foi nesta altura que se decidiu criar a Reserva Especial da polícia, para actuar fora das zonas urbanas, segundo o modelo da «Jungle Police» da Malásia. Os seus membros foram recrutados no seio da PNTL, deviam ter pelo menos seis meses de serviço e nenhum antecedente disciplinar. Receberam um treino mais puxado, tipo rangers, equipamentos adequados e armas automáticas.
Como aparecem armas nas mãos de civis?
Há armas nas mãos de civis porque o comando da polícia falhou. Os paióis foram roubados, há armas em circulação na posse de pessoas que não sabemos ao certo se são civis ou polícias que despiram as fardas. Não creio que entrou clandestinamente mais armamento em Timor. Há muitas especulações que são aproveitadas, sobretudo pelos australianos, para provar que há descontrolo por parte do governo. Está a fazer-se o levantamento das armas existentes e das que faltam ao inventário. As FDSTL fizeram-no imediatamente, porque estava tudo bem organizado. Na policia não.
As FDSTL não têm problemas?
Têm um comando e quando há comando há disciplina, felizmente.
Quem são os grupos armados que o Rogério Lobato admitiu ter autorizado?
Não sei. Só tenho uma certeza: não são da Fretilin. Como disse o Lu-Olo (presidente da Fretilin e do Parlamento), a Fretilin não tem milícias armadas, não é nem nunca foi um partido terrorista como uma certa imprensa quer fazer crer. Também não conheço o Railos, mas recebi uma mensagem dele, no meu telemóvel, a 12 de Junho. No SMS que recebi por engano (era dirigido a Lu-Olo) Railos autoproclamava-se chefe do «Grupo de Salvaguarda Povo e Nação» e dizia, em tétum, que sabia que a Fretilin não distribuiu armas, mas que quem o fez foi Alkatiri. Julgo que estão a tentar dividir a Fretilin para fazer cair o Governo.
Num artigo de opinião, o seu filho, Loro Ramos Horta, acusa Mari Alkatiri e Xanana Gusmão, de serem responsáveis da actual situação. (ver «Os senhores da Guerra» - Expresso, edição de 10.06.2006)
O meu filho ficou furioso e preocupadíssimo com o que nos poderia acontecer, a mim e ao meu filho pequeno, e telefonou-me para dizer que devia pedir asilo numa embaixada. Depois publicou um artigo horrível e fui eu que lhe telefonei para lhe dizer 'Julgava que tu eras um académico, mas um académico não escreve assim. Podemos ter divergências, mas não baixar até ao insulto. Por outro lado tens obrigação de saber do que estas a falar. Mesmo que quando se discorda tem que haver respeito pelas instituições do país, que custaram tanto sangue e sofrimento'. Sente a necessidade de defender o pai, eu compreendo, mas quem o ler vai pensar «tal pai tal filho».
Foi a Genebra para falar na sessão inaugural da Comissão dos Direitos Humanos da ONU. Pediu apoio para investigar os recentes acontecimentos de Timor?
O apoio internacional já foi pedido pelas autoridades timorenses competentes.
Mari Alkatiri declarou que as casas incendiadas, saqueadas, foram «operações cirúrgicas»...
Isto é outra história. É bom que se saiba que os incêndios, as casas saqueadas, as ameaças contra pessoas, aconteceram maciçamente depois da chegada das tropas australianas e depois de nós termos ordenado aos militares timorenses para recolher aos quartéis. Toda a gente pedia ao Governo para chamar as FDSTL. Mas depois de terem voltado para os quartéis, já não podiam sair sob pena de serem desarmados pelos australianos.
O facto do embaixador de Timor na ONU, José Luís Guterres, ter sido candidato à presidência da Fretilin e ter criticado publicamente o PM e o Governo não cria uma certa confusão?
Um cidadão não deixa de o ser por ter sido nomeado embaixador. Tem o direito de participar em actividades políticas. Acho que se deveria coibir de certas manifestações públicas, para que a sua lealdade não suscite dúvidas. Ramos Horta fez uma observação neste sentido no Congresso da Fretilin.
A Justiça está em condições de funcionar em Timor-leste?
Depois de tomar o controlo das forças de defesa e segurança, a Austrália e a Nova Zelândia vão querer controlar a Justiça. É aliás um problema antigo. Quando eu era ministra da Justiça, era a Nova Zelândia que tomava conta das cadeias. A uma dada altura, mandei fazer uma inspecção, porque me chegaram rumores de irregularidades. Brindaram-me com um motim de reclusos, que se verificou depois ter sido orquestrado para comprometer o Governo. Os neozelandeses retiraram-se e depois de muita guerra e muita intriga, Portugal ficou encarregue deste sector e da Justiça. Quando deixei a pasta, já tínhamos assinado todos os protocolos de cooperação, para a formação dos magistrados, etc. Mas há quem não veja com bons olhos esta presença portuguesa e faça tudo para obstruir a aprovação das leis, do Código Penal. Agora, os australianos desembarcaram com polícias, investigadores, magistrados. Vão querer tomar conta da Justiça e depois da Administração Pública. Se isto acontecer, será o fim da independência e da soberania de Timor. Não se enganem: há uma estratégia por detrás disso. Fizeram exactamente a mesma coisa nas ilhas Salomão. A pretexto da luta contra os bandos, jogaram a polícia contra os militares e conseguiram por no poder o Governo que queriam. O problema é o tempo, que é curto, e temos menos de um ano até as eleições.
Nicole Guardiola