Descalcei-me e enterrei os pés na areia húmida da chuva que caíra pela manhã. A sensação, enquanto olhava o mar cinzento e chão, dos grãos de areia entre os dedos era relaxante … era o momento de preia-mar, onde pequenas ondas num bailado repetitivo lambiam a areia e bandos de gaivotas esperavam pela noite. Muito cedo, pensei… falta uma boa hora para o crepúsculo as abraçar… o céu, carregado de nuvens, denunciava que a noite não seria serena nem de luar.
Embriagado indolentemente pelo cheiro da maresia e o som cadenciado da rebentação, via-a ao longe e fixei-a enquanto caminhava na beira do mar. À medida que se aproximava admirei-lhe a forma esguia, o cabelo negro solto ao vento e o vestido leve. Vinha descalça, com uma toalha azul pendendo da mão. Nisto, e sem que algo o fizesse prever, virou-se repentinamente e caminhou na minha direcção.
Em choque de prazer, olhei-a com inconsciente e estéril pensamento. Que quereria aquela insólita e linda sereia de mim?… Parou quando chegou perto e depois de um instante cumprimentou: - Olá, boa tarde. Respondi-lhe dizendo que a tarde não fora grande coisa até àquele momento, mas tudo indicava que podia melhorar. Ela sorriu mas nada disse, estendeu simplesmente a toalha uns três passos à minha frente e sentou-se admirando o mar. Aproximei-me e sentei-me a seu lado, guardando uma distância educada mas não conservadora, já que, tinha sido ela que convidativamente se aproximara.
Puxei um cigarro sem parcimónia com a secreta esperança que um novelo de fumo amenizasse a conversa e, pensando que no linguajar é que está o ganho, acendi-o. O clic-clac clássico do zipo de estimação, pareceu interessá-la. Perguntei-lhe se queria um cigarro… aquiesceu estendendo a mão. Passei-lhe o maço donde tirou um voltando a estendê-la pelo zipo que me apressei a colocar na alva e frágil mão que senti quente e macia. Acariciou-o como uma apreciadora enquanto lhe admirava a finura de dedos. Acendeu-o, protegendo a chama do pouco vento com uma delicada mão em concha e após uma forte puxada, perguntou-me o que fazia ali… respondi-lhe que descansava de um dia demasiado complicado, e, enquanto o fazia, embalado na orgia do prazer manobrava de forma a desenvencilhar-me da aliança que teimava em não sair do anelar. Nisto, num movimento rápido e inesperado, virou-se, e mostrando uns lindos olhos de azul inocente, disse que ia ali todos os dias àquela hora num ritual que se habituara a cumprir havia anos.
Eu sabia que ela me tinha visto na tentativa infrutífera de tirar a aliança e, ao ser apanhado, tinha enrubescido desmesuradamente como sempre acontecia quando era apanhado em falta no esvoaçar da minha capa de herói. Ela não desviara os olhos e eu não era capaz de a encarar. Refugiava-me na linha agora negra do horizonte e esperava que a brisa deste fim-de-tarde, num sopro arrefecedor, me devolvesse a cor original.
Embriagado indolentemente pelo cheiro da maresia e o som cadenciado da rebentação, via-a ao longe e fixei-a enquanto caminhava na beira do mar. À medida que se aproximava admirei-lhe a forma esguia, o cabelo negro solto ao vento e o vestido leve. Vinha descalça, com uma toalha azul pendendo da mão. Nisto, e sem que algo o fizesse prever, virou-se repentinamente e caminhou na minha direcção.
Em choque de prazer, olhei-a com inconsciente e estéril pensamento. Que quereria aquela insólita e linda sereia de mim?… Parou quando chegou perto e depois de um instante cumprimentou: - Olá, boa tarde. Respondi-lhe dizendo que a tarde não fora grande coisa até àquele momento, mas tudo indicava que podia melhorar. Ela sorriu mas nada disse, estendeu simplesmente a toalha uns três passos à minha frente e sentou-se admirando o mar. Aproximei-me e sentei-me a seu lado, guardando uma distância educada mas não conservadora, já que, tinha sido ela que convidativamente se aproximara.
Puxei um cigarro sem parcimónia com a secreta esperança que um novelo de fumo amenizasse a conversa e, pensando que no linguajar é que está o ganho, acendi-o. O clic-clac clássico do zipo de estimação, pareceu interessá-la. Perguntei-lhe se queria um cigarro… aquiesceu estendendo a mão. Passei-lhe o maço donde tirou um voltando a estendê-la pelo zipo que me apressei a colocar na alva e frágil mão que senti quente e macia. Acariciou-o como uma apreciadora enquanto lhe admirava a finura de dedos. Acendeu-o, protegendo a chama do pouco vento com uma delicada mão em concha e após uma forte puxada, perguntou-me o que fazia ali… respondi-lhe que descansava de um dia demasiado complicado, e, enquanto o fazia, embalado na orgia do prazer manobrava de forma a desenvencilhar-me da aliança que teimava em não sair do anelar. Nisto, num movimento rápido e inesperado, virou-se, e mostrando uns lindos olhos de azul inocente, disse que ia ali todos os dias àquela hora num ritual que se habituara a cumprir havia anos.
Eu sabia que ela me tinha visto na tentativa infrutífera de tirar a aliança e, ao ser apanhado, tinha enrubescido desmesuradamente como sempre acontecia quando era apanhado em falta no esvoaçar da minha capa de herói. Ela não desviara os olhos e eu não era capaz de a encarar. Refugiava-me na linha agora negra do horizonte e esperava que a brisa deste fim-de-tarde, num sopro arrefecedor, me devolvesse a cor original.
O tempo escorria e eu entregue à minudência matemática de contagem das ondas tentava, num pretendo impoluto, afastar qualquer culpa; eu era homem e ela uma mulher belíssima, a tentação tinha prevalecido, objectiva e subjectiva como todas as máscaras da alma humana.
O silêncio pesado durava há muito quando ela inesperadamente me perguntou: - Que faz aqui a esta hora, não é casado? O rubor voltou ainda mais desconfortável qual punidor da velhacaria anterior. - Sou e tenho dois filhos, acrescentei como que a penitenciar-me da nabice anterior já que o propósito estava frustrado. - Ama a sua família, voltou a perguntar. Após um instante respondi-lhe que sim, não valia a pena mentir, só faria papel de estúpido.
O silêncio pesado durava há muito quando ela inesperadamente me perguntou: - Que faz aqui a esta hora, não é casado? O rubor voltou ainda mais desconfortável qual punidor da velhacaria anterior. - Sou e tenho dois filhos, acrescentei como que a penitenciar-me da nabice anterior já que o propósito estava frustrado. - Ama a sua família, voltou a perguntar. Após um instante respondi-lhe que sim, não valia a pena mentir, só faria papel de estúpido.
Estendeu então a mão para me cumprimentar, dizendo: - Chamo-me Marta, sou cega de nascença.
(*) Conto revisto e republicado a propósito do post anterior e porque me apeteceu.
(*) Conto revisto e republicado a propósito do post anterior e porque me apeteceu.
29 comentários:
Caro PiresF
Apeteceu-lhe e fez muito bem e é uma boa ilustração para o pensamento do post anterior.
A verdade e a simplicidade serão sinónimas? :)
Um excelente dia para si
do ensaio da cegueira revisitado pela mão da subtil ironia?
_______________.
re.volto. com o tempo que agora não tenho.
tenho as asas no alto de uma montanha....e não fui de asa delta,,,:) vim de asas largas e seguras.
beijo. S.
________________. e gosto. do conto.
Já o conhecia, mas agora parece ter-lhe achado outra poesia. :)
Ainda bem que o colocaste porque gostei de reler.
grande abraço
E apeteceu-te muito bem.
Lembraste-me coisas que nunca consegui colocar no papel... ainda...
Abraço!
ainda bem que te apeteceu...
beijo
:))))
adorei!
muito bom...mesmo.
belo, leve e solto :)
um beijo
sou suspeita, por não ter o talento de contadora de contos(...), mas depois de ler e reler....só tenho uma palavra/exclamação que acho podem achar insólita, mas faz todo o sentido para mim:
__________________
COMOVENTE.
e saio. sem zip nem azul nos olhoa nem toalha na beira das palavras.
Clap clap clap.
beijo J.
errata....:)
"nos olhos".....
ke koisa....passo a vida a enganar-me....
desculpe....me.
y.
a cegueira iluminada...a cegueira que vê? se vê?
a luz que se esconde na palma de uma mão...
raios....gosto tanto deste conto Pires F....
Uma releitura viva nos olhos...
Doce e bom, cultivado como vinho, melhor sempre e sempre.
Uma frase, que na leitura inicial não tinha me chamado atenção mais que agora me saltou aos olhos e gostei muito.
"em falta no esvoaçar da minha capa de herói"
Sempre bom ler e reler suas palavras amigo.
Abraço.
Boa republicação. porque sim.
Abraços, Caro PiresF
o.
b.
r.
i.
g.
a.
d.
a._________________muito.
lindo...
o conto...
contar,
e
encantar........
(ps: sobre o seu comm. no meu 'canto'... não percebi : tds os dias publico um post novo!!!...)
Agradeço a oportunidade
de ler este belo texto
Eu também já vi um cego chorar
lágrimas vivas
(trémula a pobre mão que se rende ao silêncio. da alma. e dos caminhos.in.partilháveis. mas sentíveis.)
: obrigada j.
___________________.
beijo.
apetecível...
(já volto)
iv*
gostei e andei..
andei para casa, onde me esperam os de lá.
LOULOU
(sem a beata da Nini, sem a Alice, sem o Avô e sem o safado do João)
escrever bem?
o que é?
.
não....estou apenas a exorcizar demónios....que um dia foram anjos....:)
. beijo re.grato. pela leitura.
e afinal....somos todos cegos?
_________________.
Um conto de sentires a um só olhar de ver e diante de um olhar maior que o sentir.
Belíssimo conto.
somos. somos todos cegos. voluntariamente cegos.
como quem sabe que não vendo não sente vedando assim o coração ao vendaval da vida.
assertiva cegueira que assim desnuda o interior de quem se tapa!
beijo.
Alguém me disse hoje ser este conto muito "semiótico"...
Que acha "suspeito-Maior"?
Será?
Caro(a) anónimo(a), de forma alguma. Este conto, tal como digo, é uma republicação.
Sinais só os de fumo, os dos índios. :)))
Ah, muito obrigado pela explicação dos "índios".
chamo-me (...) e sou cega. por opção.
há cegueiras que matam. outras que servem para desvendar o profundo.
b.
Passei para deixar um beijo
e um ... sorriso :))
Obrigada
iv*
Parabéns,
Gostei muito desta "short-story"...
Com sua "licença" irei copiá-la e publicá-la.
António Serra
sempre muito interessante
http://www.arte-e-ponto.blogspot.com
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