Chovia. No charme do ócio, encostada à janela desenhava traços sem nexo no vidro que recebia a sua respiração. Enquanto isso, ele, no abrigo da chaise-longue escondia-se. Observa-a.
Estava sozinha no dia em que completava vinte e dois invernos. A serenidade encontrada era visível no rosado das faces. Os cabelos negros, caídos sobre os ombros, ainda cheiravam a sais de banho de onde saíra antes de enfiar aquela camisola masculina sobre o corpo nu e, como sempre também acontecia, era com o já conhecido nó na garganta assaltada pelas recordações que esta lhe trazia.
Estava sozinha no dia em que completava vinte e dois invernos. A serenidade encontrada era visível no rosado das faces. Os cabelos negros, caídos sobre os ombros, ainda cheiravam a sais de banho de onde saíra antes de enfiar aquela camisola masculina sobre o corpo nu e, como sempre também acontecia, era com o já conhecido nó na garganta assaltada pelas recordações que esta lhe trazia.
Colocou a mão esquerda sobre o peito e acariciou-o com gestos suaves e cadenciados. O momento, contigente e volátil, era uma paisagem de enlevos.
Pela primeira vez ele mudou-se para uma posição que lhe dava maior visibilidade. Ela continuava absorta nos seus pensamentos, enquanto, como se de uma recomendação bíblica se tratasse, os traços celebrando os sentidos continuavam a sair do seu lânguido indicador para o interior embaciado da janela.
Mudou de posição dando as costas ao seu observador, que inicia então um avanço lento. Quase secreto. Sem vacilar. Sabendo que não seria visto e, pela primeira vez, ela repara que subconscientemente forçara o indicador a escrever um nome. Iluminou-se-lhe o rosto pela imparável percepção e não resistindo leu-o quase em grito: - RODOLFO!?
Assustado com o som inesperado, ele saltou para cima da livreira que ficava na parede fronteira à janela do quarto.
Mudou de posição dando as costas ao seu observador, que inicia então um avanço lento. Quase secreto. Sem vacilar. Sabendo que não seria visto e, pela primeira vez, ela repara que subconscientemente forçara o indicador a escrever um nome. Iluminou-se-lhe o rosto pela imparável percepção e não resistindo leu-o quase em grito: - RODOLFO!?
Assustado com o som inesperado, ele saltou para cima da livreira que ficava na parede fronteira à janela do quarto.
Encostando-se repentinamente à janela, ainda com a mão esquerda sobre o peito, disse: - Gato desgraçado, um dia acabas comigo!
35 comentários:
bem...descuidada nesta tarde chuventa abri a janela...e plin....dei de caras com o insólito grito de um escritor de "falsos" quotidianos...que deles se ri e os acrescenta na subtileza de um "deslizar" de "gato".
contista da "paisagem" do humor escondido entre "roupa" e "névoas".
reconhece.se o gosto pelo mistério.
surpreender o leitor é a sua opção......vocação...!!!!
e saio.
que a chuva é sempre fronteira de outras palavras que vão chegar.
beijoooooooo!
Querido PiresF
Do conhecimento científico da etologia felina sai o Rodolfo observador. Guloso.
Mas é da sua mão de (en)cantador que compõe mais um conto surpreendente,
para não variar.
............
Leio-o no gotejar de um beijo
que lhe desenhei na vidraça.
P
e eu abri a porta, envergonhada, pela ausência preguiçosa, a querer pedir DESCULPA, antes de mais nada.
mas logo sorri, feliz por ter acertado em cheio em mais um conto saboroso com que tu nos delicias.
e levo o rudolfo, que as minhas gatas andam a queixar-se:)))))))
um grande beijo, PiresF amigo
Estou encantada,
Até pensava ser um conto erótico.
Enganei-me
na gargalhada que o grito me obrigou a dar.
Fabuloso.
Mais um para juntar aos outros.
Beijo.
Boa noite PiresF.
não sei por onde começar...
se pela forma invulgarmente felina de apanhar o leitor escrevendo as memórias "virtuosas" de uma menina, deliciosamente sonhadora, (confesso uma paixão pela minha gata Micas, que tem o hábito de querer brincar ao esconde esconde, arrasando a minha serenidade em princípios de noite) ou se pelo apreço que tenho por si e que vem do tempo em que o encontrava no Piano.lia os seus comentários( perdoe-me) porque eram o que eu não conseguia dizer à Isabel.__ por não ser intelectualmente capaz, por ser uma simples leitora entre tantos que a admiram. e admirava a maneira viva de desmenbrar a escrita da Isabel recodificando-a.
tudo isso e a frontalidade que lhe descobri posteriormente, me fazem tecer laços.
acresce-se o facto de a minha querida Graça ser sua " prima"(sorrio).
a propósito, estive com ela no lançamento de "O silêncio : lugar habitado" e ela falou-me bem de si.
_ fui eu que perguntei, curiosa pelo sentido orientador da sua escrita.
obrigado PiresF! ...pela generosidade das palavras, pelo imenso prazer que é saber que existe.
um beijo, sensibilizado.
Caro PiresF
Que fim inesperado! :)
Gostei do seu conto.
Abraço e tenha uma boa noite
E eu que já esperava pelo sangue, ou pela faca cravada silenciosamente, cai no pulo do gato e me encantei com as gotas de chuva batendo no parapeito da imaginação.
Grande abraço.
A senhora do gato
Uma viagem bem desenhada
bem pensada
bem escrita
Uma delícia
Abraço
Que maravilha. Que graça ! Assustei-me mesmo com o Rodolfo ...
Fantástico, este teu breve conto visual. Apetece fazer um desenho
:))
beijos MIL (meu amigo _________)
obrigada
iv
e agora estou aqui!
Com um abraço. E um sorriso pleno que me ficou de uma noite em que estrelas se me afundaram nos olhos.
Vale a pena existir!
há sonhos nas mãos da noite que nos tocam para sempre.
_______
Posso abraça-lo?!
Há uma altura em que o acordar é inevitável.
hoje ofereceram-me uma pérola
com o rasgo de luz que se sopra ao coração.
era uma vez ( ) uma menina feliz…
Obrigado PiresF pelo seu/meu sorriso.
um beijo
quando for grande quero escrever assim! :) deliciei-me com o conto e o terminar inesperado. Abraço apertado, amigo
O bichano é todo demoníaco, talvez daí ter sido o eleito para companhia da fêmea, enquanto os palermas canídeos se esfalfam a perseguir coelhos... ;)
Abraço.
Caro PiresF,
O texto vai limando arestas baças de um cubo de realidade até nos ser fornecida a devida esfera animadora. Está claramente refinado. É o humor contra a estática, para mal do desgraçado do gato.
Abraço
Muito interessante este pequeno conto em que a voluptosidade dos gestos e pensamentos é subita e abruptamente interrompida por acção de um sempre surpreendente gato, que faz a personagem descer à terra e estar prestes a usar o vernáculo.
Bloody cat, holy cat! :-)
Boas Festas e um Ano Novo melhor que os anteriores, que os desejos ainda não pagam impostos!
Um abraço.
Fiz um presépio, onde...
Os anjos cantam em coro,
Glória a Deus e Paz na Terra.
Nessa aldeia não há guerra,
Nem quero que haja choro,
Estão lá os meus amigos,
Os recentes e os antigos,
É nesse lugar que moro.
Boas Festas
Sempre com o condão de nos prender e surpreender.
Tem um grande grande 2010.
um gato "quase-humano". só lhe falta falar...lol
muito bem escrito. bela cosntrução da personagem - a"dona do gato"
abraço
...e há mais de três anos...
o espacinho mudou, mas o conteúdo
...antes andava por Timor...
hoje um conto encantador...
lá no meu refúgio antigo
guardei as letras do amigo
e hoje ao procurar
aqui o vim encontrar...
como sempre um belo Escritor!
(andei fugida por aí, sim...
acontece...uns dias fora
outros dentro de mim...:))
venho devolver um abraço
que ficou em Julho 2006
e pelos contos...deixar Parabéns!)
Parecia que já vinha a ler de trás, de antes desta cena (é como se soubesse muitas coisas sobre essa "camisola masculina") e apetecia-me continuar. Como quando leio uma página à sorte de um livro desconhecido e decido logo que será a minha próxima leitura.
E o gato portou-se tal e qual como um gato!
Gostei imenso.
Abraço e Bom Ano.
pronto____________agora ficou a pensar......a pensar ... a pensar....
e
____________nada.
:))))
Olá!
Adorei o seu texto! Muito bem feito, deixa o leitor em um suspense, mas de repente, humor, riso!!
Beijos!
Janela aberta sobre a escrita! O prazer de a abrir!
Um beijo.
Amigo Pires, surpeendeu-me o fim absolutamente inesperado deste teu conto (que pensei ser erótico...)!!!!
Maldade na cabeça desta avozinha, claro!
Parabéns, pela prosainteressante e muito bem escrita. Mas este facto não me surpreendeu.
Um grande abraço da flor
Olhem este sitio absolutamente delicioso para se desenhar, "desabafar" e descontrair :o)
Percebi que não é preciso sabermos desenhar bem para ilustrarmos ou "escrevermos" o que nos vai na alma através do desenho...E às vezes é bem mais fácil desenharmos o que nos vai na alma em..."silêncio"
E podem sempre adicionar o desenho ao vosso blog ou enviá-lo por e-mail a alguém.
www.sketchtag.com - visitem - vale mesmo a pena! Divirtam-se!
Até breve.
;O)
um gato "quase-humano". só lhe falta falar...lol
muito bem escrito. bela cosntrução da personagem - a"dona do gato"
nice post
Falta aqui uma lágrima ou outra.
Beijo
hoje andei por aqui.............
revivendo..
o mundo dos blogs.............
(saudades dos tempos em que o face não tinha ainda... «roubado» muito do tempo
da net...............
)
Um gato, oras!!
Mas que coisa!! Me enganou, certamente!
Beijus,
hoje chove. sabe bem!
"Cada novo amigo que ganhamos no decorrer da vida aperfeiçoa-nos e enriquece-nos, não tanto pelo que nos dá, mas pelo que nos revela de nós mesmos. Enquanto o amor passa, a amizade volta, mesmo depois de ter adormecido um certo tempo."
Já tinha saudades.
Beijinhos e até breve!
Lyra ;)
"Cada novo amigo que ganhamos no decorrer da vida aperfeiçoa-nos e enriquece-nos, não tanto pelo que nos dá, mas pelo que nos revela de nós mesmos. Enquanto o amor passa, a amizade volta, mesmo depois de ter adormecido um certo tempo."
Já tinha saudades.
Beijinhos e até breve!
Lyra ;)
é a primeira vez que chego ao seu blog e gostei de ler. espero que a Janela do Pensamento tenha continuação :)
abraço, José Pires!
Vim espreitar o espreitador :)
- deixo "quisses", e um beijinhu!
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