A mulher que rondava os trinta anos gritava para quem a queria ouvir que, aquele ali, apontando um indivíduo dos seus quarenta com ar de redfish baratuxo, era um patife. - Enganou-me, gritava, e enquanto puxava pela mão de uma rasteirinha de olhos arregalados, continuava: - E agora este merdas nada quer dar para a criança, nem sequer o nome. Bandido! Filho-da-puta!…
Os curiosos que se tinham juntado para assistir ao desacato, possuídos daquela facilidade que nos caracteriza em tomar partido sobre qualquer polémica, davam a sua contribuição condenando já o homem, a maioria, dizendo que há gajos que são uns bandidos, querem é dar uma queca mas depois não assumem a responsabilidade, outros, defendendo que a criança não tinha culpa dos erros dos adultos e, era imoral, no mínimo, não ter o nome do pai. Tudo isto dito de forma sintética e desengordurada.
O alvo da confusão estava estupidificado; ora olhava a mulher, ora olhava as pessoas, sabendo estar metido numa grande alhada. Por vezes, nos milimétricos silêncios tentava dizer qualquer coisa, mas logo a mulher teimava em lhe estragar o encanto das palavras berrando-lhe a plenos pulmões que ele era um bandido, que a tinha enganado, que as havia de pagar, que a mãe bem a tinha avisado… Tudo isto numa gritaria tal -como se lhe despejassem em cima calhaus a ferver, que se ouvia de uma ponta a outra da Gare do Oriente.
Não cheguei a saber para quem ficaram os méritos e os deméritos, ou tão-pouco quem arcou com a fúria daquelas gentes, embora, o alvo, fosse mais óbvio do que a boa música ter a ver com o “soar bem”, não assisti ao resto da discussão, não sou grande apreciador, estas apertam-me o peito e causam-me tal ansiedade que me leva directamente à cerveja, por isso fui andando.
Enquanto me afastava, continuei a ouvir os impropérios da mulher que sobressaíam do vozear da multidão que ia engrossando à volta dos desavindos.
No dia seguinte, fazendo o mesmo percurso, reparei ainda de longe que havia outra confusão precisamente no mesmo local. Enquanto me aproximava, reconheci os gritos da mulher que gritava a plenos pulmões os mesmos impropérios da véspera; que ele era isto, que ele era aquilo, que não dava nada à criança… e os curiosos à sua volta, tal como antes, tratavam de tomar partido e dar a sua opinião.
Tudo igual ao que tinha visto no dia anterior com um pormenor que fazia toda a diferença e tornava cândida qualquer tese que tivesse desenvolvido. Incrédulo, avancei para me certificar e constatar sem sombra de dúvida que este era mais forte e mais novo que o outro, até mais alto, este homem, era óbvio, nada tinha a ver com o redfish baratuxo de ontem.
Saí dali a correr, pelo caminho, sorridente, dei uns pontapés na fronteira artificial dos moralismos que ontem se tinham encavalitado, sabia que já me esperava um arroz de lingueirão com jaquinzinhos fritos.
Os curiosos que se tinham juntado para assistir ao desacato, possuídos daquela facilidade que nos caracteriza em tomar partido sobre qualquer polémica, davam a sua contribuição condenando já o homem, a maioria, dizendo que há gajos que são uns bandidos, querem é dar uma queca mas depois não assumem a responsabilidade, outros, defendendo que a criança não tinha culpa dos erros dos adultos e, era imoral, no mínimo, não ter o nome do pai. Tudo isto dito de forma sintética e desengordurada.
O alvo da confusão estava estupidificado; ora olhava a mulher, ora olhava as pessoas, sabendo estar metido numa grande alhada. Por vezes, nos milimétricos silêncios tentava dizer qualquer coisa, mas logo a mulher teimava em lhe estragar o encanto das palavras berrando-lhe a plenos pulmões que ele era um bandido, que a tinha enganado, que as havia de pagar, que a mãe bem a tinha avisado… Tudo isto numa gritaria tal -como se lhe despejassem em cima calhaus a ferver, que se ouvia de uma ponta a outra da Gare do Oriente.
Não cheguei a saber para quem ficaram os méritos e os deméritos, ou tão-pouco quem arcou com a fúria daquelas gentes, embora, o alvo, fosse mais óbvio do que a boa música ter a ver com o “soar bem”, não assisti ao resto da discussão, não sou grande apreciador, estas apertam-me o peito e causam-me tal ansiedade que me leva directamente à cerveja, por isso fui andando.
Enquanto me afastava, continuei a ouvir os impropérios da mulher que sobressaíam do vozear da multidão que ia engrossando à volta dos desavindos.
No dia seguinte, fazendo o mesmo percurso, reparei ainda de longe que havia outra confusão precisamente no mesmo local. Enquanto me aproximava, reconheci os gritos da mulher que gritava a plenos pulmões os mesmos impropérios da véspera; que ele era isto, que ele era aquilo, que não dava nada à criança… e os curiosos à sua volta, tal como antes, tratavam de tomar partido e dar a sua opinião.
Tudo igual ao que tinha visto no dia anterior com um pormenor que fazia toda a diferença e tornava cândida qualquer tese que tivesse desenvolvido. Incrédulo, avancei para me certificar e constatar sem sombra de dúvida que este era mais forte e mais novo que o outro, até mais alto, este homem, era óbvio, nada tinha a ver com o redfish baratuxo de ontem.
Saí dali a correr, pelo caminho, sorridente, dei uns pontapés na fronteira artificial dos moralismos que ontem se tinham encavalitado, sabia que já me esperava um arroz de lingueirão com jaquinzinhos fritos.
Nota: Conto revisto e republicado porque sim.
15 comentários:
Hehee tinha que correr desse caminho, que em breve poderia ser ele a vitima (=
E tu parece escolher as palavras uma a uma meu caro amigo, como um encaixe perfeito.
Grande abraço.
Li e re.li. a minha surpresa é tanta que escorre desta caixinha....
bem sei da sua peculiar paixão pela arte de contar e bem....sei dos insolitos que a vida nos reserva seja ficcionável ou vivível, mas oh querido PiresF, esta "estória" é bem "divertida" não fora ser eventualmente possível em qq gare de todos os orientes...:)
________________Imaginação à solta? ou a capacidade de ler para lá do espanto?
.
eu que não sou de grandes prosas gosto de ler os seus insólitos .
beijo.
sem teses.
Boa prosa, primo... Há coisas assim.
Fiquei com inveja dos seus jaquinzinhos fritos...
Beijos
ah....
voltei.
dei um pontapé na fronteira do sorriso e _______________
clap clap clap.....:))))))
______________________bom dia!!!!
recomendo não ir muito à gare do oriente....ouvi dizer que por lá se procura o Contador desta história...
e
beijoooooooooooooooooooooooo.....
imf.
A arte de quem sabe contar e de quem nos sabe surpreender.
beijinhos saudosos
Uma prosa bem medida, bem contada
(como sempre por aqui...)
longe da loucura e muito perto da realidade.
abraço!
Gosto muito de te ler!
Um excelente fim-de-semana para ti.
Beijinhos e até breve.
;O)
Lyra
re.passo.
a subscrever a TB.
posso?
obrigada.
beijos....
tá um raio de dia...mesmo de "loucos".... vou ali dar um pontapé.
:)
_______________.
Tal e qual.
Nos aquários só faltam
os peixes da horta
Boa prosa.
Abraço
o texto está magnífico!! (como é habitual em ti)
..........
só cortava umas palavritas: bandido, cerveja, arroz de lingueirão, jaquinzinhos fritos...
são palavras muito atrevidas... :)))
um beijo enorme!
sabe bem ler-te...
abraço!
e sei. sim.
convivemos muitos e longos e bons tempos....no tempo das boas "conversas".
e devo-lhe um prefácio "doce" no nocturno de bach e um relâmpago no olhar.
e muitas horas de companhia.
___________________um beijo.
ahahahahaha
Não me recordo se já o tinha lido. a mim soube-me a novo como jaquinzinhos acabadinhos de pescar. Excelente. :)
Beijos
Caro PiresF
É caso para bem dizer "nunca atires pedras antes de re-ouvires" ou "deixa para amanhã o que ouviste hoje". :)) Já sabe! gosto de tirar a moral dos contos :)
É sempre bom lê-lo :)
Uma excelente noite e semana para si
Adorei! Adorei! E estou rindo até agora!
Perfeito! :)))
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