Não! O texto (*) não é de Fernando Pessoa.


Subtítulo: A Brigada do Realejo.

A internet, soberana e autónoma, de escrita desejavelmente viva, tem – devido à comezinha coabitação das suas virtudes e dos seus defeitos – a importância de uma Maria deslavada e sem pudor, se não nos precavermos das suas bengaladas.

No passado sábado, já de madrugada, sou confrontado pelo meu amigo Bill – logo eu, que tenho mais alma de aluno que de professor –, questionando-me do lado de lá do atlântico sobre a possibilidade de um determinado texto, que anda por aí a passeio como sendo de Fernando Pessoa, não o ser.
Ele não acreditava que fosse, mas, ainda assim, um pequeno resíduo de dúvida persistia, assim, era necessário descobrir o seu autor ou ter a certeza por intermédio de fonte idónea, não ser de Pessoa.

O problema desde logo mereceu a minha melhor mas não inocente atenção, e começou a azucrinar-me a cabeça. Acontece, que não era dia das mentiras e a minha indissociável memória pulsava com a lembrança de há cerca de um ano por altura do Natal, ter tomado contacto com o referido texto e piamente acreditado ser de Pessoa, mais, com a santa ingenuidade empurrada pela senhora ignorância, até o tinha divulgado.
Assim, assumindo a instrumentalização – inocente sem dúvida – de que fora alvo e a minha parte de culpa na sua divulgação, domingo de manhã, lancei-me com genica na voraz tarefa de o descobrir, pondo à prova a minha pequena biblioteca de Pessoa que conta com uma dúzia de títulos, e népias, nem cheiro ou vestígio por menor que fosse do texto.

Muito bem... pensei, temos de descobrir qualquer coisa, a resposta terá de nos cair no regaço

Com a missão definida, qual Indiana Jones, sem cinto e em trânsito pelas estradas da informação, lá vamos descortinando de boteco em boteco, que a legião de ingénuos vai engrossando, este, o tal texto, consta por aí em dezenas de blogs, inclusive, num caso, como FrontPage de uma firma on-line. Do mal, o menos, afinal e como costumo dizer, um tolo nunca está só e a paliativa solidariedade destas coisas, sabe bem à brava.

Bem… nesta aliança luso-brasileira, iniciámos uma bem intencionada cruzada e, ao mesmo tempo, que com despudor recorríamos a amigos, enviámos e-mail para o blog “mundopessoa” da “Casa Fernando Pessoa” a pedir ajuda. No dia seguinte, pela nossa leitura da pronta resposta recebida e que logo agradecemos, sabíamos que este era desconhecido por responsáveis daquela nobre e distinta Casa. Estávamos portanto, perante um texto apócrifo com todas as letras e uma condenável injustiça póstuma.

Entretanto, o Bill continuava as investigações e, qual Sherlock de sede infrene, viria a descobrir a autoria da última frase do texto, que posteriormente teria sido apensa ao texto inicial, e também, a suposta autoria do resto do texto tresmalhado, que será de Augusto Cury, autor de Dez Leis para Ser Feliz, editado no Brasil.

A coisa ganhava contornos de uma hilariante overdose informativa, o autor da última frase estava descoberto: era “Nemo Nox” autor do blog "Por um Punhado de Pixels". O próprio, tinha sido inquirido sobre a autoria do texto, e afirmava explicitamente que não era dele, confirmando no entanto, ser o autor da última frase que tinha publicado no seu blog a 2 de Janeiro de 2003, o que, confirmámos.
Na posse destes dados, atacamos as comunidades do Orkut, tanto de Fernando Pessoa, como de Augusto Cury, para autenticarem o texto e, dos muitos contactos feitos, recebemos até agora, sete respostas: quatro afirmam que o texto é de Augusto Cury, uma que desconhece o autor, uma que desconhece ser de Fernando Pessoa e finalmente, uma que diz ser de Fernando Pessoa.

Esta última, que provoca a troca de várias mensagens, não esclareceu em definitivo o busílis, visto que, o seu autor que na primeira resposta garantia que o texto era de Pessoa e que, até o tinha lido em LIVROS, não se manteve posteriormente tão categórico, quando confrontado com o desconhecimento que responsáveis idóneos da Casa Fernando Pessoa, tinham do texto.

Perante esta última resposta, tornava-se imprescindível – para além dos testemunhos que já tínhamos e da certeza de não ser de Pessoa –, visualizar o texto: Sherlock Bill, entra em contacto com um seu amigo livreiro que promete ter o livro de Cury na manhã seguinte. E, lá está, preto no branco, mas não se trata de um texto, trata-se de uma compilação de várias frases dispostas no final do livro, em que, a principal, como o Bill me informou, é a que inicia o texto e está na página 115 – 2º parágrafo.

Compreender não é aceitar e, por isso, retiramos daqui conclusões nada abonatórias sobre o funcionamento e a liberdade de publicação em geral, mas também, a desafiadora convicção que esperamos não seja efémera, de termos que correr atrás do prejuízo, tendo o cuidado de validar de forma mais agressiva o que publicamos e não aceitar-mos com a desmedida tolerância dos cábulas tudo o que nos chega, já que, pelo meio, podem vir as bengaladas.

O texto em questão é este:
(*)

“Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes, mas não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo. E que posso evitar que ela vá à falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma.
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um “não”. É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.”

Augusto Cury
Dez leis para ser feliz da Editora Sextante.
Ano 2003


E esta, a frase que lhe foi apensa posteriormente:

“Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo...”

Nemo Nox
Por um Punhado de Pixels.


Nota final: Agora, todos os que gostam de Pessoa e os outros também, que estão tão bem informados como nós acerca da origem do texto, bem podem agradecer ao Bill ter iniciado e finalizado, esta demanda.Pela minha parte fica um grandessíssimo obrigado, pelo interesse que este demonstra em relação ao Poeta e, à verdade, garantindo-lhe, que foi um enorme prazer fazer parte desta “brigada”.

33 comentários:

Anónimo disse...

Grande amigo...

Juro que quando acabei de ler a primeira coisa que pensei foi: Precisamos achar mais textos "apócrifo", se cada um deles gerar um post magnifico como esse =]

A Brigada do Realejo fez seu papel, e continuará fazendo... Reviramos a internet, tiramos todas as pedras, todas as teias de aranhas, falamos com todos e varias vezes...
Trocamos e-mails, cedo, tarde, noite, madrugada...
Mas no fim o premio aqui está, unico lugar na internet que consta tal explicação e com todos os dados, citando o livro correto e todas as suas fontes, fica ai um registro para que no futuro, outros usem essa referencia.

Muito divertida essa batalha amigo, conseguimos otimos resultados, mesmo com o e-mail dizendo que era de Pessoa e até livro tinha, não desanimamos... Ficamos com mais vontade ainda.

Que seja a primeira de muitas, porque onde tiver uma duvida, a Brigada do Realejo vai levar luz as sombras dessa internet faminta =]

Grande abraço...
[s]s

ps: ja vou criar uma pagina no blog do Pessoa para lá este post descansar e servir de Farol para outros.

Maite disse...

Caro PiresF

Gostei deste seu post, qual demanda de Sherlock Holmes, Hercule Poirot, Miss Marple em busca da verdade.
A Brigada do Realejo? :)))

É por essas e por outras que prefiro poemas ou passagens de livros que tenho aqui em casa (escritinhos da silva). No entanto, tenho de admitir que passo por muitos textos aqui na net (como foi o caso deste)em que não me dou ao trabalho de ir verificar a autoria porque penso (ingenuamente) que se tem o nome do autor por baixo é desse autor e prontus...daqui para a frente estarei mais atenta.

Resto de boa noite para si

Maite disse...

Estava agora aqui a pensar que o seu post anterior ...terá alguma coisa a ver com isto?

José Pires F. disse...

Bill

Meu amigo, foi uma busca e tanto…

A “Brigada do Realejo”, levou como se diz a água ao seu moinho e, navegando por rios, alguns de águas turvas, saiu vencedora sobre as forças adversas.

Reafirmo, que sem ti nada teria sido feito, e, é por isso, que a partir de agora, ostentarás o titulo de Honorabilissimo guardião de Pessoa em terras de além mar. :)

Valeu a pena!
Como dizia Pessoa, Tudo vale a pena quando a alma não é pequena.

Grande abraço.

Maite!

É verdade. Muita informação que por aí anda, é falsa ou deturpada, infelizmente.
E sim, tens razão. O post anterior é reflexo desta demanda.

Grande abraço e um grande obrigado pelo olhar sempre atento.

Teresa Durães disse...

Parabéns ao vosso trabalho!!!!!

Tenho visto esse email a circular mas por hábito de internet de muitos anos não confio em .pps e coisas tais.

Mas o vosso trabalho é mesmo digno, excepcional!!!!!

Anónimo disse...

Que Cruzada!
Mas valeu a pena... Porque a Alma não é Pequena! (ehehehe, e esta frase, de quem é?)

José Pires F. disse...

Pinto Ribeiro e Teresa Durães.

Obrigado amigos, mas bem podem dar um salto lá no Bill para lhe agradecer. Sem ele, este post não existiria.

Abraço.

..................................

Rui Martins.

Amigo,

Essa não sei de quem é (eheheh), sabendo eu no entanto, que pretendeste referir esta:

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.

Grande abraço.

Outsider disse...

Pires e Bill, muito obrigado aos dois. Saúdo a vossa persistência na perseguição da verdade. Realmente a vossa capacidade e paciência na investigação são de louvar.

Apesar de o texto não ser do grande Pessoa, não deixa de ser um bonito texto, mas o seu a seu dono.

Apesar de ser um texto afingir que é do Pessoa, não esquecer que "O poeta é um fingidor..."

Um grande Abraço.

isabel mendes ferreira disse...

obrigada-------!



Xi-coração.

Rosalina Simão Nunes disse...

vale, de facto, a pena andar por 'cá'.

Parrot disse...

Meu caro Piresf,

E assim se aprende. Para mim uma grande lição. Confesso que quando apareceu este texto, tentei confirmar a fonte. Encontrei este texto sempre como sendo de F.Pessoa. Recordo que a discussão que existia era relativa ao título.
Concordo com a Maite...melhor confirmar com o papel.

Obrigado e grande abraço. Também é por isto que vale a pena continuar.

Anónimo disse...

Magnífico!
Li lá o texto e achei estranho ser de Pessoa, mas como lá estava no Bill.
Grande cavalgada a vossa! Mas a verdade repos-se e só ganhamos todos com isso!
Obrigada aos dois, meus amigos
Abração

Verena Sánchez Doering disse...

querido amigo lo encuentro maravilloso lo que estan haciendo con Bill y los amigos
lo habia leido en el blog de Bill y conoci la pagina
me alegro y los felicito
te dejo un abrazo grande y gracias por tus saludos en Sucesos
besitos y que estes muy bien




besos y sueños

Sofia disse...

Pires e Bill,
Isso já deu pano para manga aqui no Brasil. A jornalista Cora Rónai escreveu um livro chamado "Caiu na Rede" sobre textos que circulam na internet e que são atribuídos a autores famosos. Vale a pena dar uma conferida ;)
Abraços,

Anónimo disse...

Devo aplaudir tal iniciativa... Se Hoje não fosse feriado municipal, eu nem estaria respondendo a tantos blogs xD~

E viva a pesquisa ^^

E, falando nisso, preciso terminar as minhas pesquisas...

-_-x

PortoCroft disse...

Long live, Billy the Kid e a Brigada do Realejo! :D

Abraço.

RS disse...

Excelente trabalho!
Ao que parece, o Canto de Contos já tem a sua própria "brigada de investigação literária".
(hehehe)
Pode vir a ser muito útil!

Um abraço,
RS

Anónimo disse...

Meu amigo..nao me sinto apta a comentar Fernando Pessoa por nao sou especialista como vc e o Bill, mas a falsidade de texto e terrivel..e deve ser encarada como um crime...obrigada por seu carinho,cilene

Alê Quites disse...

Ótima indicação do Realidade Torta.
Volatei mais vezes.
Beijo

Maite disse...

PiresF

Já consegui colocar o logo do Canto de Contos com o respectivo link (que eu não sabia como fazer) e acrescentar o blog da Vanessa.

Obrigada pelas dicas :)

Boa tarde para si

Vanda disse...

Grata pelo abraço solidário.

Como não sei dos óculos demorei eternidades a ler o teu post :) mas valeu a pena :) Fernando Pessoa apaixonou-me aos 15 anos.
Paixão que trago pela vida fora, em papel e na alma.

Augusto Cury tem sido companheiro de algumas tardes e noites.

Se a um, devo a exaltação, ao outro devo momentos de crescimento, de reflexão.


Obrigada, Pires e Bill, pela busca do santo graal!

O seu a seu dono!

Beijo

Van

Anónimo disse...

Amigos inteligentes, mosqueteiros espertos, assim são Bill e Pires F.
Parabéns pela luta de colocar a casa em ordem de dar nome a quem de direito pertence.
lindo dia querido
beijosssssssssssss

Anónimo disse...

Bom dia.....

Vim até aqui atravez do Bill.....e gostei...
Gostei do jeito que a curiosidade levou-os a pesquisa e ao conhecimento....
Grandes Meninos...
Rss...
Bjs...

Anónimo disse...

Excelente. gostei muito de ter lido. pude ve-lo tal qual o Indiana Jones nessa busca.

beijos

desire

Anónimo disse...

O Bill é fantástico!!
E eu que sou uma grande apaixonada por Fernando Pessoa, só tenho a agradecer à vocês dois pela ótima contribuição.
Muitos textos que circulam pela net são creditados a improváveis autores, como no caso de Fernando Pessoa e Mário Quintana.
Mas nada como uma boa pesquisa e pessoas maravilhosas como você para nos indicar o caminho [e o autor] correto!
Bjs do lado de cá e ótimo fds!

Anónimo disse...

Sempre que recebo ou leio algum texto na internet eu penso nessa possibilidade, mas logo esqueço...rs! Vejo que é um erro, já que este texto deve fazer anos que "é" de Pessoa e só agora, graças a vocês voltou ao seu dono ou seria donos...parabéns!!!

Adorei o post e consigo imaginar a felicidade de vocês ao finalizar essa busca!!! Que inveja...rs!!

Um abraço!!

Vera F. disse...

Pires F, belo trabalho do Bill e seu. Vcs foram 10! Acho que "tudo vale a pena quando a alma não é pequena".
Que vcs possam desvendar outras mentiras que correm pela internet.

Abs.

Anónimo disse...

O trabalho de vocês foi magnífico!! É muito importante desvendar essas autorias erroneamente atribuídas a grandes escritores. Mário Quintana também é uma vítima constante de textos que lhe atribuem (e textos de qualidade e conteúdo explicitamente duvidosos, mas, infelizmente, algumas pessoas não conseguem identificar que não foram escritos por ele).


Beijos!!

Anónimo disse...

Isto não foi um post,hehehe,foi uma autentica aula.
Pires,muito obrigado por sua visita ontem por la e pelas gentis palavras.
Obrigado mesmo.
Abraços e um otimo final de semana a vc.

Anónimo disse...

Pires.

Leio sempre Nemo Nox.
Outro dia fiquei horas lendo os artigos antigos.
Se tivesse mandando pra mim, quem sabe eu não reconheceria.
*risos*

:P

Beijos e gostei do seu empenho e do empenho do menino-querido Bill.
É horrível ver um texto da gente plagiado.
Já senti isso.

Anónimo disse...

Tem q ir atrás mesmo, pq as injustiças podem deixar de brindar muitos talentos. Esse texto já foi postado por mim há algum tempo e atribuído a JP, mas o próprio Bill entrou em contato e corrigiu o meu equívoco! Agradeço aos dois pelo belo trabalho investigativo.

abox disse...

q cena!! tb recebi esse texto por email... e assinado como sendo de fernando pessoa!!
obrigada aos dois por terem descoberto os verdadeiros autores!!

Anónimo disse...

Bjs e linda semana! [mesmo que um pouco atrasada... rs]