E foi um happening.

A história conta-se em poucas palavras e decorre lá por volta de 1971: com o Coliseu dos Recreios a abarrotar, José Manuel Osório canta o Romance de Pedro Soldado (poema de Manuel Alegre publicado originalmente em 1965, que nos fala da guerra e da morte por via da guerra colonial que se iniciara em 1961) nisto, alguém interrompe o espectáculo e proíbe-o de cantar.
Era o odiado e tristemente célebre capitão Maltês que, capitaneava nesses malfadados tempos, violentas cargas da Policia de Choque em Lisboa e não só.
Ary dos Santos salta para o palco e grita: “Se estão proibidas as intervenções políticas cantadas eu vou fazer uma intervenção política rimada”. Dito e feito; o poema que antes fora proibido a José Manuel Osório cantar, foi ali declamado.

Nota: O capitão Maltês devia estar informado que, os discos de José Manuel Osório eram passados por Manuel Alegre na Rádio Voz da Liberdade da Argélia, quanto a Ary dos Santos, não devia ter instruções e não era pago para pensar.


Romance de Pedro soldado

Já lá vai Pedro Soldado
num barco da nossa armada
e leva o nome bordado
num saco cheio de nada.

Triste vai Pedro Soldado.

Branda rola não faz ninho
nas agulhas do pinheiro
nem é Pedro marinheiro
nem no mar é seu caminho.

Nem anda a branca gaivota
pescando peixes em terra
nem é de Pedro essa rota
dos barcos que vão à guerra.

Nem anda Pedro pescando
nem ao mar deitou a rede
no mar não anda lavrando
soldado a mão se despede
do campo que se faz verde
onde não anda ceifando
Pedro no mar navegando.

Onde não anda ceifando
já o campo se faz verde
e em cada hora se perde
cada hora que demora
Pedro no mar navegando.

E já Setembro é chegado
já o Verão vai passando.
Não é Pedro pescador
nem no mar vindimador
nem soldado vindimando
verde vinha vindimada.

Triste vai Pedro Soldado.
E leva o nome bordado
num saco cheio de nada.

Soldado número tal
só a morte é que foi dele.
Jaz morto. Ponto final.
O nome morreu com ele.

Deixou um saco bordado
e era Pedro Soldado.

4 comentários:

Beatriz disse...

olá olá!
hoje é o dia da publicação do nosso desafio literário. Por favor, não deixes de participar, publica quando puderes, mas não deixes de faze-lo!;)

beijinhos

Anónimo disse...

Que interessante (=
E lá se foi as palavras em rima, versos ao vento se espalhar...

É acredito que não era pago para pensar sozinho hehhe

Abraços amigo.

[s]s

Gi disse...

Venho aqui diariamente na esperança de encontrar algo de novo. Confesso que tenho saído desiludida de há uns tempos para cá. Mal eu me ausento uns dias, poucos, pouquinhos mesmo e vejo que há produção. Fico feliz, claro que fico :)

Sobre a história só posso dizer, Grande Ary! Não se contentava com a palavra, também era um homem de acção.

Noite feliz, um beijinho

tb disse...

Ajudando a que a memória não morra. Muito bem lembrado. eram tempos de escuridão que esperemos não voltem.
Beijo