Aqui à uns anos na zona de Alvalade em Lisboa, mesmo no fim da Av. de Roma, existia o Hospital Júlio de Matos, – parece que ainda existe, mas agora é um Hospital mais abrangente nas especialidades – apelidado por nós de Hospital dos Malucos, e lembro-me hoje à distância, com saudades talvez um pouco mórbidas, de que alguns dos seus hóspedes, os “pacíficos”, andavam pelas imediações a cravar moedas, que, salvo raras excepções do copito de tinto, se destinavam quase todas a ser gastas em café, segundo se constava com o fim de neutralizar as doses de medicamentos que estes eram obrigados a ingerir no Hospital.
As histórias engraçadas que estes protagonizavam, corriam de boca em boca e eram invariavelmente motivo de incontidas gargalhadas. Eu pessoalmente lembro-me de algumas que hoje ao recordá-las ainda me fazem sorrir, e algumas que eu presenciei, não serão nunca esquecidas, como aquela, daquele maduro, que mesmo em frente à empresa onde eu trabalhava, e na altura de chuvas, aproveitava as poças de água proporcionadas pelo afundamento dos nossos passeios de calçada portuguesa, para se lavar por baixo, independentemente de quem passava, baixava as calças e tchap, tchap, tchap, já está. Calças acima e lá ia ele. Ou daquele outro, que passeava Av. da Igreja abaixo e acima, ali em frente ao Nova Lisboa, e que de repente embicava direito a algum incauto menos prevenido e lhe pregava um valente estalo, ou aquela, que numa linda manhã de sol, parou todo o trânsito na segunda circular, teimando em passear de um lado para o outro naquela via rápida, vestida só com uma malinha de mão e um chapéu de palha.
Mas não pensem que era só naquela zona que coisas destas aconteciam, desde que me lembro, se contam histórias dos malucos da nossa da nossa cidade e cada uma mais engraçada que outra. Ontem, ao folhear um livro do António Alçada Baptista, deparei-me com estas duas histórias, que, de tão bem contadas aqui transcrevo, para que as apreciem com o mesmo gozo com que eu as apreciei.
O Primo de Rivera
Uma vez, aí pelas seis da tarde, hora em que o Chiado pululava de gente, entrei na Brasileira e estava o Pedra e um tipo numa mesa. Mal me viu chamou-me, mandou-me sentar e apresentou-me o companheiro:
- António, conheces aqui o meu amigo Maurício?
- Muito prazer, disse eu estendendo-lhe a mão.
- Agora diz com franqueza: não é igual ao primo de Rivera?
Eu, o que havia de dizer: - De facto, dá uns ares...
- E é aqui sentado. Agora havias de o ver marchar.
Voltou-se para o Maurício e disse-lhe:
- Ó Maurício tem paciência, dá só ali uma volta à estátua do Chiado.
O Maurício levantou-se, aprumou-se e, entre aquela gente toda, marchou impecável da Brasileira à estátua deu a volta e regressou. Sentou-se à nossa mesa e o Pedra, para mim:
- Então, não é igual ao Primo de Rivera?
Outra não menos engraçada.
O Miraculado
[...] Quando voltava vi à porta da Brasileira, o Pedra e mais duas pessoas. Antes de atravessar a rua, estava em frente ao Ramiro Leão e ele, quando me viu, esfrega as mãos e diz-me satisfeito:
- Tem sido um sábado...
Cheguei ao pé deles. Um era o Maurício Primo de Rivera e o outro era um advogado, já de certa idade, que me apresentou:
- Conheces aqui o Dr. Alípio?
E eu: - Não. Muito prazer.
Continua o Pedra:
- Aqui onde o vez, miraculado. Ó Doutor, conte-lhe lá o milagre.
Ele não se fez rogado:
- O Colega não soube? Uma vez, estava na Praia de Santa Cruz com o Adelino Palma Carlos. Veio uma onda e levou-me. O Adelino, que queria que eu saísse do redemoinho, berrou-me: - Ó Alípio, faz-te ao mar! Nisto, apareceu-me Nosso Senhor Jesus Cristo...
O Pedra interrompeu: - Em fato de banho?
- Não homem, em vestes sagradas!
Continuou a história: - Depois, Nosso Senhor disse-me: - Ó Alípio faz-te à terra! Eu então fiz-me à terra e salvei-me.
O Malucos da minha Cidade
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4 comentários:
Muito engraçado!
Toda cidade tem suas figuras pitorescas. Aqui na minha tem um louco que dirige moto e carro imaginários, tem uma namorada imaginária e conversa até com as estátuas do centro. Figuraça o Nenéu!
Boas lembranças =] realmente cada lugar uma boa historia.
Caro amigo portuga, quanto a seu comentário sobre música clássica, não foi longo nem ao menos chato, foi perfeito.
È exatamente isso que eu penso, perceba que minha revolta é exatamente com isso, de haver pouco investimento nesse segmento, a um investimento contrario a cultura por aqui, há músicas que só de se chamar de música já é uma coisa me deixa triste.
Minha revolta é exatamente como seu comentário, os gênios ainda estão por ai, mais sem uma incentivo, sem uma ajuda nada podem fazer.
Quem sabe um dia possamos mudar isso não é caro amigo.
[s]s
Poliana!
É engraçado mesmo, e se, a minha Mãe me visse rir destas situações, era até capaz de pedir a Deus para me perdoar, pois que não se deve brincar com os maluquinhos como ela diz. Mas que fazer, eu acho um piadão enorme a estas figuras da cidade, e esse que tu mesmo referes, devia dar para uma boa meia-hora de riso.
Bill, meu amigo! Ainda bem que puseste os pontos nos iiii, pareceu-me que estavas conformado com a situação que se vive no panorama da música clássica e não só. Fiquei de facto admirado pois penso que já te conheço um pouco, vejo agora e felizmente, que me enganei.
Por isso aqui fica o meu pedido de desculpa, por ter pensado algo errado acerca da intenção com que escreveste esse post.
Um abraço.
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