O Ser e o Ter

Esta é uma época em que a caixa de correio electrónico (fica bem, assim à portuguesa) se enche de mensagens recorrentes mas de boa intenção em louvor da celebração do nascimento de Cristo que, não fossem os ajustes do Papa Gregório e já se teria celebrado, provavelmente com os calores de Agosto, mas que, para o caso, pouco importa, porque já não celebramos o Cristo histórico, mas sim o Místico que está para além do tempo e transporta uma mensagem de amor e de exemplo. Outras ainda, em louvor da família e, como também é hábito, centradas com saudosismo no Ser e nas suas virtudes. Por isso, se o Ser, pode hoje considerar-se fronteira do nosso imaginário consentâneo com o nosso passado, como o “era uma vez” ou “em tempos que já lá vão” dando também lugar a fonemas fascinantes como o “antigamente” ou o no ”meu tempo”, o Ter é real, porque nos ocupa e ocupa o presente e, por isso, a minha reflexão sobre este, sem a presunção de tentar ser profundo, porque não tenho estaleca para essas coisas.

Embora o Ter carregue consigo uma carga nefasta, não creio que o seja, mas, ainda assim, não o consigo dissociar de um sentimento de impunidade minador dos alicerces morais da sociedade onde, alastra a convicção de que tudo é permitido e se alarga à esfera da marginalidade remetendo, segundo alguns mais cépticos, para segundo plano a teoria de Hobbes sobre “o instinto de conservação dos homens”.

Sendo hoje a vida em sociedade comparada a um vulcão em actividade, e isso nem está em discussão, quando os prazeres são de vício e as necessidades sempre crescentes, por isso; se multiplicam os assaltos, os homicídios, os crimes económicos, a corrupção etc, etc, numa frequência de ilicitudes reveladora do desrespeito generalizado das normas civilizacionais como; os padrões éticos, as regras de cortesia, ou o respeito pela lei social que, impunemente coabita com a violência do próprio estado em favor dos grupos dominantes e isso, provoca no simples cidadão, sentimentos de inveja ao assistir ao enriquecimento dos seus iguais e encontrando na indigna imoralidade de procedimentos a explicação, o que, vai dar ao mesmo (mais coisa menos coisa) do que já escrevia o Eça em 1871.

“Se é triste envelhecer num mundo que se conhece, é muito mais triste envelhecer num mundo que não se conhece e de que não se gosta” como dizia Chateaubriand (uma citação assim en passant, fica sempre bem).

Assim, sendo eu, nesta festa por tradição de família, um consumista, por mais espantoso que à primeira vista pareça, o Ter, tem também inegáveis virtudes, como a possibilidade de reinventar plataformas, que não sendo do foro ou equivalente ao Ser, nos permitem a ponte para algum conforto e portanto uma melhor qualidade de vida e aqui é que está o concreto da coisa.

Só um exemplo, que embora pareça mal amanhado, não o é: O crédito. Esse malfadado a que os portugueses arrojadamente se atiram sem medo e que, não sendo uma herança genética, bem usado, repito; bem usado e não a ajavardar, pode trazer a almejada qualidade de vida (se algum bancário me ler, pensará que somos colegas. Não, não somos, embora o possa parecer numa interpretação simplista) Sabemos que, os nossos pais (caso dos mais velhos), ou os nossos avós (caso dos mais novos), levavam toda uma vida a juntar uns dinheiros (só de pensar nisso, as tremuras atacam-me as pernas), para um dia, puderem comprar a almejada casa de sonho, dos seus sonhos, que invariavelmente eram pequenos, concluindo, também invariavelmente ao fim de uma vida, que pouco usufruto dela tirariam. Seria para os filhos, diziam então (não sabendo que estes, a primeira coisa que faziam, era engendrar como desbaratar aquilo tudo).
Hoje, o minador Ter, permite através desta plataforma que, se passem as mesmas dificuldades, mas, e isto é substancial, que se passe a vida com algum conforto e assim, sem megalomanias, podendo mais cedo e em vida útil usufruir de algo que antes nos estava vedado.

Como dizia Albert Einstein [...] O homem é, simultaneamente, um ser solitário e um ser social. Enquanto ser solitário, tenta proteger a sua própria existência e a daqueles que lhe são próximos, satisfazer os seus desejos pessoais, e desenvolver as suas capacidades inatas. Enquanto ser social, procura ganhar o reconhecimento e afeição dos seus semelhantes, partilhar os seus prazeres, confortá-los nas suas tristezas e melhorar as suas condições de vida. Apenas a existência destes esforços diversos e frequentemente conflituosos respondem pelo carácter especial de um ser humano, e a sua combinação específica determina até que ponto um indivíduo pode atingir um equilíbrio interior e pode contribuir para o bem-estar da sociedade.[...]

Eu sei, que isto precisava de ser mais desenvolvido, mas além de não ter tempo para isso, ultrapassei a página A4 o que, é uma chatice para quem quer desenvolver alguma coisa na blogosfera.
Por isso, continuemos a ser miseráveis, mas já agora com conforto, e que o Pai Natal vos traga muitos presentes.

22 comentários:

Rui Martins disse...

é verdade... alguém bateu aquele limite de texto de que falámos... ;-)

e nesta época de consumo deixo aqui a minha singela mensagem: acabo de terminar com o meu cartão Visa (pela segunda vez, já que o banco depois de eu o ter cancelado fez a finura de me enviar um novo para casa, não fosse eu ter-me arrependido do cancelamento no trajecto de regresso a casa...)

Anónimo disse...

Q nosso natal seja generoso e q as meditações aconteçam naturalmente. Q o "Pai Natal" (como tu diz) nos traga RESPEITO em 2007. Beijos.

isabel mendes ferreira disse...

afinal falamos de saber "estar"---
envelhecendo crescendo vendo reaprendendo...

falamos do Ser enquanto se enche o Ter...

ou do Ter sem Ser?




____________beijos. sendo.


e tendo o prazer de encontrar uma caixinha amável que me recebe sem exigir nada em troca...:))))
_____________________

bettips disse...

Obg pela visita. Referia as maldades imutáveis. Reconheço que não é época para falar nisso, andam todos cheios de bondade! Mary fala em respeito e acho bem. Abç

Jorge P. Guedes disse...

Piresf:

Gostei desta reflexão sobre o velho tema do ser e do ter.
É claro que não iremos aqui filosofar muito sobre tão interessante questão, por manifesta falta de espaço e porque faltaria sempre o diálogo, o explicitar melhor dos pontos de vista, e ainda porque não será este o local mais indicado.
Para mim, resumidamente, o SER e o TER não são incompatíveis.
Como dizes, o TER, na sociedade do espectáculo em que vivemos ( e é nesta e não em outra)é necessário para os pequenos e controláveis prazeres do Homem.
Afinal de contas, tenho para mim que o Homem nasceu para ter prazer.
é fundamental ao seu equilíbrio e, direi até mais ousadamente, é fundamental para que produza trabalho de maior qualidade.
Donde, posso concluir que até ao próprio sistema capitalista interessa que o trabalhador tenha acesso aos prazeres que ele próprio ajuda a produzir. É um rolo de papel sem fim.

Um abraço e...gostei muito deste bocadinho.

Jorge G - O Sino da Aldeia

Isabel Magalhães disse...

Um enorme prazer o de ter passado por cá.





Deixo um beijo. e votos de Feçiz Natal.
I.

isabel mendes ferreira disse...

bom dia: Porque Ser é Poder, mudei a cordas....ou seja mudei a cor das letras....


Prontos. Tudo para os seus olhos.


Prontos....ao menos eu tenho um blog "podre" de normal onde q.q.Ser pode Ter acesso....
:))))))))))))))))).


Bom dia com um beijo a estalar.

Outsider disse...

Excelente reflexão amigo Pires. Como sempre é um verdadeiro prazer ler o que escreves.
Tenho que reconhecer que também sou um pouco hedonista. Acho que todos gostamos de ter os nossos prazeres, com mais ou menos dificuldades.
Um Abraço.

Anónimo disse...

Texto muito bem escrito, como sempre,Pires F .

Havia no entanto, como dizes, muita coisa mais a dizer.

Por mim, como o Natal era apenas a celebração do nascimento de um homem Bom, conhecido por Cristo, e na minha casa nunca se acreditou no pai natal (da coca cola), os filhos cresceram, não sou consumista...passo o Natal.

Mas Boas Festas para ti e para os teus.

Bjs

M

Nina disse...

Vixi! Gostei da franqueza com que você expôs tudo, sem tentar passar uma mensagem de "verdadeiro espírito natalino".

Maravilhoso!! Nossa, de verdade, de tudo o que se diz do Natal... Adorei.

A Lua Cheia me inspira querido. Rsrsrs.... Mas seja qual delas que estiver no céu, de vez em quando eu pinto pelo blog. O mais engraçado é que ontem eu tava escutando Madredeus, me lembrei de ti! Falei de ti pra minha amiga, deu uma saudade... E hoje vejo seu comentário! =]

Pode aparecer por lá que tem post novo!

Beijos e abraços do tamanho da minha saudade!

:******

Um Poema disse...

Bom fim de semana.
Um abraço

Kaotica disse...

O problema não é o Ter. O problema é usar o ser dos outros para se ter desmedidamente. Nunca me convenceu aquela ideia de que há uns quantos desprendidos que não se importam com isso de ter. E que há quem passe muito bem sem conforto. Não é verdade, o ser humano desde sempre luta por melhorar as condições de vida, isso é que é o normal. O que não é normal é existirem pessoas que só se importam com o seu ego e que não se contentam com o conforto que alcançam querendo mais Mais MAIS sempre MAIS, até desejarem ir passar férias ao espaço só porque isso está fora do alcance do vizinho do condomínio de luxo ao lado. Há pois um desejo e um consumo que procura alimentar o ser e há um desespero e um desenfreiamento predador que é vício e depravação imoral.
Um excelente fim de semana longe das grandes superfícies é o que te desejo. Abraço

Anónimo disse...

SÊR SEMPRE!!!


Abração!!

Parrot disse...

Amigo Piresf,

Esta temática é muito interessante e tema para um bom serão....
De facto esta época resume-se ao ter, cada vez mais, e o ser, possivelmente a razão de existir, passa para 15º lugar.
Ao ler o texto lembrava-me que todos gostávamos de "ter" o que o outro tem. "Pois é, se eu também tivesse o que ele tem...."e esquecemos que o ter exige e pressupõe um caminho, e os que têm, não significa que sejam todos vígaros ou se consegue alguma coisa por meios menos lícito...haverá os que sim, mas os que me importam são os outros....
Depois existem os que tem…valores, princípios, ideias….esses são, são os raros.
O ter....e o ser.....

"Ó bela cavalaria
Cavalo bem arreado
Para "ser" galope largo
para "ter" freio apertado."

-Agostinho da Silva-

Grande abraço

Menina Marota disse...

Bem... não vou comentar o texto, vou deixar um abraço e desejar a TODOS um FELIZ NATAL

;)

Anónimo disse...

que venham muitos presentes...mas estou aproveitando o dia de hoje para desejar um Feliz Natal e super 2007 ; obrigada por fazer parte da minha vida atraves do meu blog..

Anónimo disse...

E é ver como nesta altura se multiplicam os anúncios a créditos que tudo prometem...um cabaz de sonho à sua espera. As pessoas esquecem-se é que depois há uma factura a pagar...

Anónimo disse...

Sabes o que acho, hoje temos tudo, mas espiritualmente não somos nada. Natal é somente consumo!

Cumprimentos!

Anónimo disse...

Você merecer se lido mais e mais vezes.
E, é fácil perceber que o seu "ser" é muito mais grandioso que o seu "ter".

Beijo.

Do éter para o éter disse...

Triste é ter que ser
sem saber o quê se é!

Anónimo disse...

Basta que o ter não se sobreponha ao ser, fazendo esquecer...
Abraço

Um Poema disse...

Interessante. Não sendo bancário não deixo de acreditar que há alguma proximidade na opinião sobre o crédito. O aperto vem depois. Mas depois... logo se vê, no pensar de muita gente.
Um abraço