O Maneirinho.



Dircelina, lembrava-se bem daquele dia, tinha chegado com a maleta de mão, e por companhia trazia a sua cor negra, a pouca escolaridade e o estigma de um país em guerra. Vinha para trabalhar, neste, que era visto por lá, como a árvore das patacas, e por via disso, a esperança tinha-lhe feito companhia durante toda a viagem, e já antes, nos preparativos que antecederam a partida a aconchegara, lhe soprara quente no peito e lhe dissera em surdina: vais conseguir.
Para trás ficava a família; mãe, duas filhas pequenas e quatro irmãos, um deles estropiado e que era tudo o que a guerra não tinha levado, mas nisso não quis pensar, aquela, era a altura das grandes tarefas o momento que ambicionou e não tinha receio de confrontar, para isso, contava com outra grande amiga: a vontade inabalável de vencer.

Aquele emprego, que um antigo amigo do seu pai lhe arranjara, não era o que pensava, esteve para o recusar, não o fez por causa da fome miserável que já há dez dias e dez noites a acompanhava, mas hoje, dez anos passados, sabia que tinha ganho a grande prova. A tristeza do primeiro dia em que se deitou com um cliente e depois todos os outros que seguiram, eram passado, assim como as lágrimas que abriram sulcos nas suas faces de ébano. O desejo dos homens, pelo seu corpo esguio e musculado do trabalho na sanzala, tinha-lhe garantido uma posição privilegiada entre as escravas do Maneirinho, e desde muito cedo traçara o seu plano.

A vinda da família, acontecera já depois de ter conseguido casar-se com o Maneirinho, a seguir, foi um passo, até o convencer a investir o dinheiro ganho com a escravatura e outros expedientes, num restaurante que ela e a mãe passaram a gerir, por fim, ele começou a gostar daquele chá que com receita da sua avó a mão lhe ensinou a fazer, e que provocava no Maneirinho o estado esfusiante de alucinada embriaguez, e foi nesse estado que o convenceu ser ele capaz com a força do querer, parar o rápido Lisboa-Sintra.
Ainda lhe notou a incerteza no olhar, quando no meio da linha viu o comboio aproximar-se, mas ela, postada no apeadeiro, deu-lhe a força que faltava, gritando-lhe, és capaz meu querido, tu és capaz de tudo.

17 comentários:

Intervencionista disse...

Mas que grande imaginação, e o final então está hilariante... Continua velhote, no proximo natal ainda vou ver na Fnac um livrito teu com contos de Blog.

José Pires F. disse...

Nuno!

Tás mas é chanfrado.
Não sei até quando a pilha dá e depois o tempo é pouco.

Agora a sério, queria a tua opinião sobre o seguinte: Nos contos que já leste, achaste os finais previsíveis ou não? Achas que estou a conseguir a surpresa do choque final?

Quero que sejas honesto, pois se não estiver a conseguir isso, terei de arranjar outra forma, sabes que para mim é difícil avaliar a surpresa, creio que está lá, mas não sei se chega aos leitores dessa forma.

Abração.

Claudio Costa disse...

Vingança é um prato que se come frio!

José Pires F. disse...

Sem dúvida meu caro Cláudio.
A vingança, nunca poderá ser sinónimo de justiça, mas existem casos, que nos levam ao extremo de pensar que sim, pelo menos no imaginário dos contos, e era bom que ficássemos por aí.

Nina disse...

Adorei!!
=]

Rui Martins disse...

Pois é já vejo nas bancadas da Fnac: "O espreitador - o livro do blog", tipo barnabé e isso... Os blogues têm esta vantagem: motivam a pessoa para a escrita e a hipótese de publicar (mesmo que por edição de autor) nunca deve ser afastada, especialmente com o material que já tem!

Anónimo disse...

Olha eu ae =]

Opa livro mesmo =] ja posso encomendar uns 10 para mostrar para o povo aqui a qualidade dos teus contos nobre amigo =]

Parabens por tão belas palavras =]

Otimo dia

[s]s

José Pires F. disse...

Nina!

Obrigado!
..........................
Rui!

Está então o meu amigo, imbuído do melhor espírito natalício.
Aceito o comentário como prenda, e também como é costume te direi: Não era preciso, porque te estiveste a maçar? As coisas estão tão caras.
Brincadeira tua não é?
Obrigado pela intenção.
Um abraço.
........................
Bill!

Sobe um pouco amigo, e lê a resposta que dei ao Rui.
Igualzinho, sem tirar nem pôr, para ti.
Abração.

PS: Toma atenção ao correio, tua prenda seguiu na sexta-feira passada.

José Pires F. disse...

Obrigado DJ.
Abração.

Meia Lua disse...

Habituaste-nos a esta qualidade... queremos sempre mais!!!
bjinho

José Pires F. disse...

In-Culto!

Obrigado. Também te desejo e a todos os teus, um bom Natal.
Um abraço.
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Meia Lua!

Obrigado pelas tuas palavras sempre encorajantes.
Beijinho.

Valkye disse...

Excelente conto, Sr. PiresF.
^^

José Pires F. disse...

Valkye!

Obrigado amiga.
Um abraço.
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A J Faria!

Obrigado.
Em relação à vingança, transcrevo o que disse num comentário mais atrás:
“A vingança, nunca poderá ser sinónimo de justiça, mas existem casos, que nos levam ao extremo de pensar que sim, pelo menos no imaginário dos contos, e era bom que ficássemos por aí.”
Um bom Natal, também para si e família.
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Bellalunna!

Obrigado prima.
Nunca conhecemos verdadeiramente as pessoas, talvez por isso, sejam tão interessantes.
Um grande abraço.

LM disse...

Um nadita burro, o Maneirinho, não??
Belo conto!
Beijinho

José Pires F. disse...

Foi do chá.
Obrigado e um abraço.

AJBA disse...

Não sei o que dizer excepto que deves alargar os teus horizontes para fora do blog.
Já recolheste opiniões suficientes vindas de diversas pessoas que sabem avaliar os teus contos.
Em frente PF pois ainda podes dar muito e para muitos.
Um livro não necessita de muitas páginas mas sim algo com qualidade e tu consegues ter isso.
Junta as imagens que escolhes com a mesma qualidade e um pouco mais de tempo para compilares um belo livro para o Natal 2006.
Força amigo que a porta só abre uma vez...e eu estarei lá para os autógrafos.

Ipslon disse...

O conto esta muito bom! Realmente muito forte. E o fim e espetacular! Tenho pena mas a colherada de hoje e so acucar. Mt bom mesmo.

Isso pos autografos estaremos todos! vai ser giro, eu vou com um pin espetado na t-shirt a dizer "sou o Ipslon"! hehe ninguem vai acreditar em mim...