Qui devorant plebem meam

A diferença que há entre o pão e os outros comeres, é que para a carne, há dias de carne, e para o peixe, dias de peixe, e para as frutas, diferentes meses do ano; porém o pão é comer de todos os dias, que sempre e continuadamente se come; e isto é o que padecem os pequenos.

São o pão quotidiano dos grandes; e assim como o pão se come com tudo, assim com tudo e em tudo são comidos os miseráveis pequenos, não tendo nem fazendo ofício em que os não carreguem, em que os não multem, em que os não defraudem, em que os não comam, traguem e devorem: Qui devorant plebem meam, ut cibum panis.

Parece-vos bem isto, peixes?


Padre António Vieira in Sermão de Santo António.
Pregado em S. Luís do Maranhão.

5 comentários:

Nina disse...

Pão é alimento sagrado, né?
Não sei se você conhece uma música linda, se chama Panis Angelicus, é religiosa, significa Pão do Céu!
Ah, não só a Freu mas a praga do Bill também!!
Abraços!!

Rui Martins disse...

Todo este sermão é fortemente alegórico à divisão por estratos da sociedade portuguesa da época, sabia? Os peixes - neste passo - penso que representam a "arraia miúda".

José Pires F. disse...

Nina!
Não tenho a certeza se conheço ou não, o nome é-me familiar.
Pensei que tinha sido só a Freu, pois tu poupaste o Bill no teu post. Enfim… o amor tem destas coisas.

Dj!
Fico a aguardar sentado, não vás tu demorar muito.

Rui!
Ele dirige-se a todo o auditório dizendo-lhes que são peixes mas que também podem ser pão dependendo da importância.
Umas linhas mais à frente diz: Pois isto mesmo é o que vós fazeis. Os maiores comeis os pequenos; e os muito grandes não só os comem um por um, senão os cardumes inteiros.

Valkye disse...

Sermão pregado na capital de meu estado. ^^

José Pires F. disse...

Valkye!

A relação de António Vieira com o Brasil é profunda, já que aos seis anos (1614) acompanha o pai que tinha sido nomeado para o cargo de escrivão na relação da Baía, e é aí que inicia o seu curso de Humanidades, como aluno externo, do Colégio de Jesuítas da Baía.
Com quinze anos evade-se da casa dos pais e vai para o Colégio dos Jesuítas, onde de imediato inicia o noviciado e em 1626 já ensina Retórica no colégio de Olinda Bela, naquele tempo chamado Marim, fez os seus estudos filosóficos na Baía e é ordenado padre em 1634, mas durante os próximos cinco anos percorre as aldeias baianas na sua obra missionária, onde regressa mais tarde, depois de ser ameaçado de expulsão da Companhia de Jesus, e desiludido vai para S. Luís do Maranhão, para dar continuidade à sua obra de missionário, impondo a si próprio a tarefa de proteger os Ameríndios das garras vorazes dos colonos brancos.

Este Sermão, também conhecido pelo Sermão de Santo António aos Peixes, deriva do olhar atento ao circunstancial e insere-se nas orações evangélicas que respeitam à politica e à guerra.