Bem-aventurados aqueles que nada têm a dizer e assim não fazem o mundo perder tempo.

Se começo a escrever na folha em branco, esta, lentamente, entrega-se à magia dos olhares e vai mudando de tonalidade... apanha as cores das minhas palavras e a rugosidade ou leveza das frases que nela semeio... cresce então um conto... uma foice… uma carta... um rabisco... não sei bem se um amor que já existiu, se os sonhos do mundo ou uma arma carregada de futuro…

Às vezes, com ardor, as palavras saem quase pelo próprio pé, como um sopro humano... outras vezes, com secura, encalham no primeiro passo sobre o branco sem lhe tocarem... mas escrevo sempre o que me vai na alma, ou tento, pelo menos... só assim sei escrever... e quando leio um poema , um conto ou um romance, só me encanto ou desencanto mediante aquilo que sou, penso e sinto...

Nem sempre gosto do que escrevo, mas gosto de ver as folhas em branco pintadas de palavras... minhas, tuas, de todos!... Jamais conseguiria queimar uma dessas folhas, uma qualquer folha em branco pintada de música das palavras nascidas dos ‘verbos’ liberdade de sentir, sonhar e escrever... mas, se por mero acaso não gosto de uma dessas minhas folhas em branco pintadas de palavras, viro a folha, se possível deixo uma em branco para me lembrar do peso do silêncio.

25 comentários:

Anónimo disse...

peso o peso deste silencio. branco. em branco. aparentemente.
mas só na aparência.
o resto é uma alma. cheia. cantante.

como fonte no meio do deserto.

de várias águas. umas densas e presas. outras leves e aéreas.

_____________________.
bom dia melancolia.
beijos.



y.

Anónimo disse...

Folha em branco é como se fosse o espelho da alma - não tem como fugir aos movimentos. Ali estão todos refletidos. Basta decifrar...
Beijos.

José Pires F. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
José Pires F. disse...

Y,

E o silêncio pode ser uma abstracção mental onde tudo se encaixa perfeitamente, onde tudo é belo. E no entanto, ao olharmos, vemos as imperfeições, teorizamos abstracções ou caricaturamos o real. Mas acredito, sinceramente, na lei da utilidade marginal decrescente: descobri isso ao comer chocolates!

Abraço.

José Pires F. disse...

Mirian,


E no entanto, o ser humano, tem a capacidade de tornar feio as coisas mais belas e complicar as coisas mais simples. Se as palavras estão a mais, não sei. Uma simples palavra ou frase pode começar uma guerra ou possibilitar o armistício... Não basta a interpretação de quem escreve, mas também de quem lê, e os humanos dificilmente se entendem com as palavras…

Abraço.

Anónimo disse...

“Naquele tempo, o mundo dos espelhos e o mundo dos homens não estavam isolados um do outro. Eles eram, por outro lado, muito diferentes – nem os seres, nem as formas, nem as cores coincidiam. Os dois reinos, o dos espelhos e o humano, viviam em paz. Entrava-se e saía-se dos espelhos.Uma noite, as pessoas dos espelhos invadiram a terra. A sua força era grande, mas após sangrentas batalhas as artes mágicas do Imperador Amarelo prevaleceram. Este repeliu os invasores, aprisionou-os nos espelhos e impôs-lhes a tarefa de repetir, como uma espécie de sonho, todos os actos dos homens. Privou-os da sua força e da sua figura e reduziu-os a simples reflexos servis. Contudo, um dia eles sacudirão essa letargia mágica… As formas começarão a despertar. Diferirão de nós a pouco e pouco, imitar-nos-ão cada vez menos. Quebrarão as barreiras de vidro e de metal e dessa vez não serão vencidas.”
J. L. Borges, a fauna dos espelhos.

José Pires F. disse...

Zacarias,

Borges estava certo. Todos nós temos um espelho ou vários espelhos dentro de nós... uns servis, outros rebeldes, uns que nos amordaçam e amedrontam, outros que nos empolgam e encantam, uns que nos aprisionam no vidro e no metal, outros que nos levam a voar para fora de nós mesmos... Espelhos sonhos... Espelhos sentimentos... Espelhos alter egos... Espelhos afectos... Espelhos sociais...

E entre o espelho e Eu próprio, a ilusão de ser igual. Às vezes a ilusão de ser mais do que o espelho mostra e o medo constante de ser ainda menos...

E a luta!... A luta constante pelos sonhos, pela paixão de viver, indo para além do espelho!...

Abraço.

Anónimo disse...

toda a razão.



retiro.me.



em branco.


sempre.

na mais pura abstracção.


terra de ninguém.


boa tarde.


y.

José Pires F. disse...

Y,

"Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol.
Ambos existem; cada um como é."

Alberto Caeiro

isabel mendes ferreira disse...

"no vastíssimo mar dos símbolos escolho hoje o rosto do encontro

agitação súbita

manto aéreo de ramos remos rotas

corpo como reflexo do concreto

árvore sem floresta."

autor anónimo.

.

.

desculpas.

José Pires F. disse...

Bem podia ser teu. Tem traços em que te reconheço.

Desculpas????
:))))

Enorme abraço

isabel mendes ferreira disse...

é do Piano.


.


.
.

isabel mendes ferreira disse...

"...descansemos rente às folhas em branco do nosso entendimento.
releve-se tudo o que é parco e escasso....
a solidão é um texto sem marcas apenas espaço.

aqui o ver-te

invisível

sebástico

impossível."


.

.

Manuel Veiga disse...

gosto quando o texto ganha asas e vai além do autor...

como é o caso.

abraços

José Pires F. disse...

IMF,

Logo vi… reconheço o teu estilo a léguas.

Mas deixa-me agradecer-te as palavras que aqui deixaste e que iluminam este espaço. E, mesmo não sabendo tocar piano, podemos sempre encontrar coisas novas quando queremos, basta olharmos com olhos de "ver" e deixar que as emoções ganhem um espaço sempre especial em nós.

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

Ricardo Reis

Abraço.

José Pires F. disse...

Herético,

Gostava de te responder dizendo que quando escrevo, é como se falasse com a folha em branco, mas seria mentira. Calculo com precisão os ângulos do velho sextante e deliro de febre a cada viagem… embora a capacidade de sonhar, mesmo sem poemas… sem palavras… numa folha em branco… não deixe morrer a magia cujo brilho a todos se estende.

Abraço.

Anónimo disse...

Outro dia meu filho pegou uma folha em branco, dobrou-a e fez dela um avião de papel. Concentradíssimo. Ficou em pé e o lançou. O trajeto era incerto, claro, mas fez a curva para cima, girou sobre si mesmo, e veio direto para seus pés. "Viu, mãe?", disse ele muito feliz.
Nem sempre precisamos de palavras numa folha de papel para ela cumprir a sua missão.
Às vezes, mesmo em branco, ela reflete a nossa alma... ;)

José Pires F. disse...

Mirian,

Quando atrás disse: “embora a capacidade de sonhar, mesmo sem poemas… sem palavras… numa folha em branco… não deixe morrer a magia cujo brilho a todos se estende.” Não esperava melhor exemplo para corroborar tal frase.

“Quando o homem sonha, o mundo pula e avança.”

Abraço e um aplauso para o teu sonhador
.

Anónimo disse...

A vida também pode ser considerada uma folha em branco, da intensidade com que a vivemos, assim dependerá a importância da mesma.

Um grande abraço, Pires!

Maite disse...

Caro PiresF

Gostei especialmente deste seu texto :)

...........(eu a reflectir)

Um bom final de tarde para si

Archeogamer disse...

Estive um tempo parado para refrescar as ideias, mas conto agora voltar ao activo com um pouco mais de regularidade. Por isso deixo um obrigado a todos os que me presentearam com visitas ao blog e comentários de apoio nestes meses de ausência, tu incluído.

Cumprimentos do Odysseus.

Anónimo disse...

É na inquietude entre os olhos e a folha branca, que se descobre os novos mundos, que se vislumbra no silêncio as palavras invisíveis.
A pálida folha esperando um beijo inspirado da tinta...

Belíssimo post meu caro amigo.
Abraço e ótima semana.


Na periferia da manhã, levemente adiada,
improviso uma ilha.
Tão nua como páginas em branco.
E concedo-me o direito de esperar Ulisses.
A minha fronte marcada com palavras sem destino.

{Graça Pires}

Oliver Pickwick disse...

Há circunstâncias que assemelham-se ao famoso caso do ovo de Colombo, isto é, só a descobrimos quando recebemos um tipo de sinal. Uma delas, por certo, é o que escreveu neste texto de rara inspiração e beleza, a respeito do escriba frente à folha em branco. É quase um diálogo telepático entre escritor e papel, entremeado de cumplicidade.
Além disso, há expressões e sentidos que são verdadeiros achados, como por exemplo, o das palavras que saem pelo próprio pé; ou o do captar da folha em branco, das cores das palavras e da aspereza ou leveza das frases.
Além do amor explícito pela escrita - seja pessoal, seja de terceiros - contido no texto, o desfecho é de uma criatividade invulgar, realçando o contraste entre folha escrita e folha em branco, na verdade, uma alegoria à importância do silêncio.
Abraços!

paper-life disse...

Há quem tenha o pavor da página em branco (monitor em branco?).
Tu escreves sem medo das palavras.
Tenho saudades dos teus contos. Onde os metes? Na gaveta ou publicas?
Diz que eu sigo-os (se não for na gaveta)
Prefiro-os ao fantasma dos políticos que muitas vezes arrastas (e bem) para aqui. Mas estou exausta deles e... de realidade.

Bjs

Boa semana!

Márcia disse...

Raramente gosto do que escrevo, mas me delicia rabiscar qualquer folha vazia, enchê-la de cor, de sonhos, de fantasia.
Não me apetece sorver minhas letras, mas me enche o coração sentir que outros delas tiram proveito.
Assim somos meu amigo, fazedores de escritos para deleite alheio.
dias lindos poeta,
beijos