As aparências iludem.

A mulher que rondava os trinta anos gritava para quem a queria ouvir que aquele ali, apontando um indivíduo dos seus quarenta, era um patife. Enganou-me, gritava ela, e agora nada quer dar para a criança, puxando pela mão e mostrando uma pequenita dos seus cinco anos de olhos arregalados provavelmente pela força com que a mãe lhe apertava a mão, e continuava, nem sequer o nome lhe quer dar, o bandido.

Os curiosos que se tinham junto para assistir ao desacato já teciam comentários, e a maioria condenava já o homem. Diziam uns, que há gajos que são uns bandidos, querem é dar uma queca, mas depois não assumem a responsabilidade, outros, defendiam que não sabiam o que se tinha passado, mas que a criança não tinha culpa dos erros dos adultos e no mínimo devia ter o nome do pai, etc., etc.

O alvo desta confusão nada dizia, estava estupidificado, ora olhava a mulher, ora olhava as pessoas e balbuciava qualquer coisa que não se conseguia ouvir, porque, sempre que tencionava falar, a mulher berrava-lhe a plenos pulmões que ele era um bandido, que a tinha enganado, que as havia de pagar, que a mãe bem a tinha avisado... Numa gritaria tal, que se ouvia de uma ponta a outra da Gare do Oriente.

Não assisti ao resto da discussão, estava com pressa e tive de ir andando, e enquanto me afastava, continuei a ouvir os impropérios da mulher, que sobressaíam da multidão que engrossava à volta dos protagonistas.

No dia seguinte fazendo o mesmo percurso, reparei logo ao longe, que havia outra confusão precisamente no mesmo sitio, enquanto me aproximava, reconheci os gritos da mulher que gritava a plenos pulmões os mesmos impropérios da véspera, que ele era isto, que ele era aquilo, que não dava nada à criança, e os curiosos à sua volta tal como antes, tratavam de dar já a sua opinião.

Tudo igual, ao que tinha visto no dia anterior, com um pormenor que fazia toda a diferença, incrédulo, avancei para me certificar, e finalmente constatei sem sombra de dúvida, que este era mais forte e mais novo que o outro, até mais alto, este homem, nada tinha a ver com o de ontem.
Tinha sido apanhado na teia imaginária da loucura da mulher, tal como, os que chegaram ao fim desta história.

19 comentários:

Rui Martins disse...

Pois. E depois histórias destas só me acontecem a mim! Ora toma! E amanhã se passar novamente pela Gare ainda se arrisca a...

Intervencionista disse...

Saiste de Alvalade mas eles perseguem-te, hé hé hé.

Anónimo disse...

Um interessante hehhehe =]
Sempre nos prendendo nas teias das mulheres, sejam elas quais forem.

[s]s

José Cartaxo disse...

Hum... Nãos será um esquema de carteiristas? ;)

Unknown disse...

há loucos capazes de tudo.

Tal como alguém uma vez disse: de loucos todos temos um pouco, temos é de dosear a nossa loucura.

marinheiroaguadoce a navegar

José Pires F. disse...

Meus amigos!

Tenho que vos pedir desculpa por não ter sido suficientemente explícito, pensei que a frase final da história, era por si só esclarecedora, vejo agora que não.
Esta história nada tem de real, é fruto da minha rebuscada imaginação e da falta de interesse em postar sobre assuntos mais importantes.
Isto acontece-me com alguma regularidade, sempre que leio jornais a mais e vejo noticiários das televisões a mais, fico tão farto que decido partir para outra, sabendo no entanto que estas fugas são efémeras.

animus disse...

mas eu TAMBÉM VI a mulher

Nina disse...

Nossa, mas muito boa se foi você mesmo que escreveu. Eu também achei que fosse real...

José Pires F. disse...

Chantilly!

E também fica confirmado, que não és nada mentirosa.

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Nina!

Obrigado pelo elogio, no entanto não creio que esteja assim tão boa, foi escrita um pouco a correr e a intenção não era tanto a escrita mas sim levar o leitor no engodo até ao fim.

Valkye disse...

Nossa, adorei, enganou-nos direitinho.
^^

celso serra disse...

Very funny))

José Pires F. disse...

Amigo Raes!

Verifico a tua curiosidade e de forma alguma quero que vivas no desconhecimento, por isso cá vai:

O termo queca é um sinónimo que os portugueses arranjaram para falarem do acto sexual quando em sociedade, visto o português vernáculo ser impróprio na maioria das ocasiões.

Em relação ao tamanho da Gare de Oriente, digamos que estará entre os 400 e os 500 metros, esta gare é uma plataforma superior estação do Oriente, que integra transportes ferroviários de longo curso, já a estação do Oriente como plataforma intermodal integra além do atrás referido, os transportes suburbanos e a linha de Metro, tendo um terminal rodoviário e dispondo de um parque de estacionamento com capacidade para 1500 lugares.

Espero ter satisfeito a tua curiosidade.
Um abraço.

José Pires F. disse...

Nem sempre meu caro In-culto tem dias em que consigo fazer bem pior.

José Pires F. disse...

Mas a tentação abeirou-se, no entanto com esforço quase desumano consegui combatê-la.
É o dia do pão-pão, queijo-queijo, branco é a galinha o põe.
Dias lixados.

TheOldMan disse...

Boa história, PiresF. Um óptimo argumento circular.

Parabéns.

;-)

José Pires F. disse...

OldMan!

Os meus sinceros agradecimentos.

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Raes!

Sempre ás ordens. Faz como se estivesses em casa.
Podes inclusive descalçar-te.

Intervencionista disse...

Andas em grande forma "velhote", qualquer dia és convocado para fazer o lugar do Anderson Polga ou do Beto...

José Pires F. disse...

Intervencionista!

Não parecendo, gosto mais de jogar ao ataque, no entanto e por várias razões, não quero provocar celeumas.
Como diz o outro: Navegar é preciso.

AJBA disse...

Gostei sem sombra de dúvida deste teu relato...e também caí que nem um pato.
Só lendo os post´s é que descobri e confirmei a verdade...tu és mesmo um artista.
Está mesmo a chover e aqui se desanuvia a cabeça.